sábado, 31 de março de 2012

Quarta-Feira, 17 de abril

Minha noite foi ótima. Acordei pela manhã e me preparei para o café da manhã. Desci até o restaurante, acompanhada dos meus pais. Vi que Dominic e Ângela estavam sentados em uma mesa com mais dois adultos, muito belos por sinal.
Ângela acenou para mim de onde ela estava. Em seguida Dominic sussurrou algo no ouvido dela, pude notar que ela assentiu com a cabeça. Eles começaram a sussurrar entre si e eu me senti mal. Ângela se levantou da cadeira e andou até minha mesa, sorridente.
— Bom dia Emily! Senhor e senhora Anders, bom dia! – Ela cumprimentou-nos com um sorriso estampado no rosto radiante.
— Oi Ângela! – Meus pais cumprimentaram-na no mesmo instante.
— Vem comigo! Quero te apresentar minha família! – Ela me puxou, quase caí da cadeira.
Meio tímida, andei até a mesa dos D’mitri.
— Dom, mãe, pai, essa é a Emily Anders.
— Olá Emily. – Dominic me olhou com um olhar levemente malicioso.
— Nos vemos novamente… – Dei um sorriso leve.
— Muito prazer, Emily. – O senhor D’mitri estendeu a mão para mim e eu a apertei de leve.
— Esse é meu pai, Andrews D’mitri. – Ângela estendeu a mão para indicá-lo.
— Muito prazer, querida! – A senhora D’mitri levantou-se e abraçou-me.
— E essa é minha mãe, Rose Mary D’mitri. – Ângela a apresentou. — Vejo que já conhece meu irmão, Dominic D’mitri. – Ela o apresentou.
— Encantado. – Ele levantou-se e beijou minha mão delicadamente.
Fiquei corada.
— Prazer em te ver novamente, Dominic. – Eu disse tímida.
— Por favor, chame-me de Dom ou Nick, tudo bem? Deixemos para trás essa formalidade banal! – Ele sorriu docemente. Seu linguajar era muito culto, até me ofendia de certo modo.
— E então? Vamos lá ao “Trans I”? – Ângela estava empolgada.
— Trans? Ah, sim! Transilvânia! – Eu entendi.
— Por mim sim. – Dominic já se pronunciou.
— Então vamos! – me animei. — Só tenho que falar com meus pais, tudo bem?
— Tudo bem, nós vamos indo na frente. – Ângela puxou o irmão pelo braço.
Pedi permissão para ir ao hotel e meus pais deixaram, enquanto isso, conversavam com os D’mitri.
Corri até o elevador e adentrei o segundo hotel. Ângela e Dominic me aguardavam, sentados na banqueta do piano.
Corri até eles.
— E então? O que vamos averiguar hoje? – Vi que ambos estavam concentrados nas teclas do piano. — O que houve? – preocupei-me.
— Tenho medo de tocar… – Dominic disse, acariciando as teclas pretas.
— Medo?! – Abismei-me. — Você toca muito bem! Eu gostaria de saber tocar assim também! – Incentivei-o a tocar.
— Toca, irmão. – Ângela pediu delicadamente.
Ele assentiu com a cabeça e posicionou os dedos nas teclas; hesitou um pouco antes de tocar. Quando a primeira tecla soou, ele fechou os olhos e sorriu. Ângela inclinou ligeiramente a cabeça, levantou-se e correu até o balcão. Voltou com um violino nas mãos. Ela acompanhou Dominic na melodia harmoniosa do piano. Era um som angelical. Era lindíssimo! Fechei os olhos e fiquei viajando na melodia da música. Minha cabeça já não pensava em nada, além de um jardim florido e uma casa de campo onde uma melodia bailava entre as flores que exalavam um perfume sem igual! Até que a música acabou. Abri os olhos, parecia ter voltado de uma viagem no tempo. Ângela começou a tocar uma música diferente e Dominic logo a acompanhou. As notas da música eram tristes, lembrando um dia nublado e chuvoso onde um menino corria em busca de abrigo. Abri os olhos e fitei as mãos de Dominic e o jeito de sua face quando ele tocava. Achei incrível o que ele podia fazer com as mãos e um piano sendo tão jovem.
Logo em seguida observei o jeito gracioso como Ângela tocava seu violino. O jeito como ela parecia estar dançando conforme a música. Minha cabeça se embalava e minha voz acompanhava o som dos instrumentos.
A música findou, eu estava perfeitamente calma e mansa perto daqueles dois jovens tão talentosos.
— Como vocês conseguiram aprender isso tudo em tão pouco tempo? São tão jovens pra aprender tanta coisa… – Me abismei.
— Quando se tem o QI muito elevado e pais musicistas incentivando-o a tocar, fica mais fácil… – Dominic riu.
— É verdade. Nossos pais nos ensinaram desde quando tínhamos… dois anos de idade… – Ângela pensou um pouco, tentando calcular.
— Interessante… – Fiquei curiosa. — A única coisa que sei tentar fazer é… cantar…
— Jura?! Você canta? Ah! Vem comigo! – Ela me puxou para o andar de cima, quase me arrastando.
Entramos em um quarto e Ângela abriu um armário embutido na parede. Dali pegou um violão e começou a tocar algumas notas de uma música que eu conhecia e adorava! Era impossível para mim, não cantar!
— Conhece? – Ela disse enquanto tocava.
— Claro! Minha favorita! – Eu encolhi os ombros.
— Então vai lá! Canta! – Dominic me assustou, pois não o tinha visto chegar.
— Tudo bem… – Concordei.
Ela recomeçou a música e eu a acompanhei cantando. A princípio eu ainda estava tímida, mas aos poucos fui me soltando e me entreguei à música.
Dominic olhava para mim concentrado, parecendo cantar comigo. Olhei e me fiz cantar para ele. Ele me acompanhou, cantando uma voz diferente da minha. A música ficou linda! Nossa voz combinava muito. Tinha uma harmonia perfeita. Eu alcançava tons agudos e ele possuía uma voz grave, com mais a companhia do violão de Ângela, a música ficara linda!
Quando a música findou, Ângela e Dominic me aplaudiram!
— Muito bom… – Dominic disse sorrindo.
— Você é demais! – Ângela saltou pro meu lado.
— Mas se não fossem vocês… – Eu olhei para Ângela e, em seguida, deslizei meu olhar para Dominic, que me olhava com um olhar concentrado e amável. — O que houve? – Sorri tímida para Dominic.
— Você… é linda… – Ele se pôs de pé diante de mim. — Sua voz é incrível… – Ele estava pasmo e lindo como sempre.
— Obrigada… – Baixei a cabeça, corada, e puxei uma mecha do meu cabelo para trás da orelha.
Senti um intenso sentimento que, como o vento, passava entre nós dois. Olhei fundo em seus olhos encantadores, mas algo estava errado! Eu mal conhecia esse garoto! Eu não sabia o que estava fazendo. Podia estar me metendo em qualquer confusão!
Afastei-me dele rapidamente, minha respiração estava mais rápida que o normal, esse garoto mexera realmente com meus sentimentos. Ângela estava imóvel, focando um ponto do quarto apenas.
— Ângela? Tá tudo bem? – Me aproximei dela.
— Claro! Ahm… Dom, temos que ir. Papai e mamãe vão ficar preocupados. – Ela lançou um olhar explicativo para Dominic, que entendeu o sinal e me abraçou.
— Nos vemos mais tarde… – Ele sussurrou em meu ouvido.
Minha pele se arrepiou; ele me deu um beijo no rosto.
Acenou pra mim e, rapidamente desceu as escadas com Ângela. Tentei ir atrás deles, mas não os vi. Provavelmente eles eram muito mais rápidos que eu e já tinham ido.
Agarrei meus próprios braços e suspirei. Sentei um dos degraus da escada e fiquei pensando no que eu realmente estava sentindo por Dominic. “Eu devo estar avançando as coisas…” pensei comigo mesma.
Olhei para o meu relógio: 11h23min. Saí do hotel abandonado e fui ao encontro dos meus pais. A canção que cantei com Dominic não saia da minha mente. De forma muda, como se dublasse a cantora original, fechei meus olhos e sussurrei a música.
— Você está bem? – Meu pai pôs a mão em meu ombro.
— Claro… – Sorri gentilmente para ele.
— Ótimo. O que você quer para o almoço? – Ele sentou-se na mesma mesa de ontem à noite.
Escolhi o prato no cardápio, esperamos minha mãe. Ela estava chegando. Sentou-se a mesa conosco e escolheu seu prato. Papai chamou o garçom e pediu os pratos com três sucos de laranja. Enquanto os pratos não vinham, observei ao redor se os D’mitri estavam presente. Não os vi em lugar algum. “Devem ter ido almoçar fora…” pensei para me consolar.
— Algum problema, querida? – Minha mãe notou que eu estava distante.
— Não, não mãe… – Eu continuava longe. — Só estou me lembrando de… certas coisas… – Apoiei minha cabeça distante em minha mão direita, erguida pelo braço.
— Hmm… Vai, filha! Conta aí! – Minha mãe empurrou meu braço, fazendo minha cabeça tombar sobre a mesa.
— Mãe! – Eu gritei.
Todos os hóspedes presentes no salão olharam para nós. Fiquei corada, me levantei rapidamente e corri até o banheiro.
No caminho, um corredor com espelhos intercalados na parede. Olhei para um deles e vi minha face, vermelha. Continuei andando e olhei para o próximo.
— Dominic?! – Podia jurar que o vi no espelho atrás de mim.
Meu coração acelerou ao pensar nele. Sacudi a cabeça e corri até o banheiro. Sentei em um divã no canto do enorme banheiro cheio de espelhos e uma luz branda. “Preciso parar com isso…” pensei.
Dominic estava me enlouquecendo! E era recém meu segundo dia de estadia naquele hotel. O tempo que eu pensei que era curto, passava mais devagar que o esperado quando ele não estava perto de mim.
Voltei quieta para meu lugar na mesa. Meu prato já estava servido. Comi rapidamente, aguardei até que meus pais terminassem, subi as escadas até meu quarto junto a eles, escovei meus dentes e andei até a piscina coberta e aquecida.
O lugar era silencioso, muito calmo. Fechei os olhos e pude ouvir meu coração batendo, forte e acelerado. Ouvi uma porta batendo. Abri os olhos, assustada.
— Sou eu… – Dominic estava assentado ao meu lado, como se fosse uma escultura viva.
— Oi… Pensei que não o veria mais. – E eu estava quase enfartando por isso!
Ele se aproximou de mim, moveu uma mecha de cabelo para trás da minha orelha.
— Você é a garota mais linda que eu já vi em toda minha vida… – Ele disse sério, porém com uma feição meiga.
— Por favor… Assim… você me constrange… – Eu baixei a cabeça, ruborizada.
— Perdoe-me, essa não era minha intenção. Só estou sendo… franco com você… – Ele sorriu.
— Como isso é possível…
— O que? – Ele expressou curiosidade no aspecto como me olhou.
— Como você pode… ser tão lindo… É incrível… como suas feições são perfeitas e suaves… – Analisei cada detalhe de seu rosto, que, agora, estava bem próximo ao meu.
— Não me comparo a você, com certeza… – Ele acariciou meu rosto. — Você é perfeita… Um anjo descido do céu… Meu total inverso… – Ele se afastou.
— Do que você está falando? – Eu voltei a mim.
— Nada que lhe convenha ouvir, pois seus ouvidos não merecem ladainhas como o que digo. – Ele pegou suavemente minha mão e a beijou.
Seus lábios eram frios e doces.
Um silêncio pairou entre nossos corpos, que estavam divididos por apenas alguns centímetros de distância. Ele aproximou seu rosto do meu, pude sentir sua respiração soprando em meu rosto e meu coração pulsando rapidamente. Delicadamente afastei-me dele, com o olhar baixo e o rosto rosado. Ele suspirou. No mesmo instante, Ângela entrou no ambiente em que estávamos.
— Emily, eu compus uma música… – Ela se interrompeu ao ver-me rosada. — Interrompi alguma coisa? – Ela se assentou ao meu lado, pondo o violão que trazia consigo escorado ao lado do sofá.
— Não! Imagine… – Tentei falar firmemente, fazendo parecer verdade.
— Ótimo! Compus uma música pra você cantar e eu tocar, mas só você. – Ela olhou séria para Dominic que assentiu.
— Tudo bem… – Minha voz saiu vacilante.
Peguei o papel das mãos de Ângela e li a letra. Era realmente linda. Ângela começou a tocar a música e cantar para mim, pra me mostrar como era. Repeti a melodia cantada e até parecia mais fácil do que aparentava ser. Quando a música acabou, os dois irmãos ficaram me olhando como se algo estivesse errado. Eles se olharam e sorriram.
— Algo de errado? – Fiquei curiosa em saber como havia me saído.
— Não… não – Dominic acenou negativamente com a cabeça.
— Dom! Esqueci um negócio no Transilvânia I, vamos lá comigo pegar? – Ela puxou o irmão pelo braço.
Senti na hora que era pra eu ficar ali, quietinha. Então fiquei. Depois de alguns instantes, senti um forte impulso de segui-los. Levantei-me e, pé por pé, fui até o corredor principal. Espionei, para conferir se havia alguém ali. Dominic e Ângela conversavam.
— Só pode ser! – Ângela estava atordoada. — Ninguém até hoje conseguiu cantar assim! Como ela pôde?! – Ela sussurrava.
— Eu senti que ela era a pessoa certa, quando cantou comigo! Apaixonei-me pela voz dessa garota… Ela… – Ele virou-se em minha direção.
Escorei-me na parede para não ser vista. Fiquei só na escuta, para conferir alguns passos ou algo assim. Como notei silêncio, espiei novamente, mas nada havia além da decoração antiga do hotel. Arregalei meus olhos e pensei “Eles são rápidos…”.
Voltei para a sala da piscina e me deitei em um divã que havia por lá. Fiquei olhando a água e novamente ouvindo o som dos meus batimentos cardíacos.
“Somente eu consegui?” pensei a respeito da música, “mas nem é tão difícil assim…”.
— Voltamos! – Ângela veio pulando em minha direção com uma caixinha nas mãos.
Dominic parecia apreensivo. Sentou-se aos pés do divã onde eu estava enquanto Ângela entregava a caixa para mim.
— O que é isso? – Eu sacudi a caixinha perto do ouvido.
— Um presentinho de boas vindas! Nada de mais! – Ângela tomou ares infantis.
Abri a caixinha preta, enrolada em um laço azul. Era um colar com uma clave, prateado e com algumas pedras reluzentes encravadas.
— Eu… não posso aceitar! – Meus olhos brilhavam ao olhar para a joia.
— Por favor! Fique com ele! Ou vou achar que você está fazendo pouco do meu presente! – Ângela inclinou a cabeça para o lado.
Peguei o pingente e examinei-o por completo.
— É lindo! – Peguei a corrente fina que o sustentava e tentei pô-lo em meu pescoço.
— Deixe-me ajudar com isso… – Dominic tomou de minhas mãos a corrente e atou-a ao meu pescoço.
— Ah! Ficou lindo em você! Já que você gosta de música, escolhi uma clave como pingente! – Ângela se sentou ao meu lado.
— Adorei! – Eu sorri.
— Ficou lindo mesmo… – Dominic fitou a joia em meu pescoço e sorriu.
Agradeci e, em seguida, voltamos ao Transilvânia I. Sentamos nos sofás que se localizavam perto do piano.
— E então? De onde vocês são? – Eu perguntei quebrando o silêncio.
— Bom… Somos daqui mesmo, mas atualmente estamos procurando um lugar para morar em outro país. – Ângela me respondeu. — Mas e você? É de onde? – Ela expressou curiosidade.
— Pensilvânia… Bem longe daqui! – Eu ri.
— Nossa! E o que a trás aqui? – Dominic espantou-se.
— Minha mãe! Ela é meio… diferente! Adora viajar. Aproveitou minhas férias de inverno e nos trouxe pra cá! – Dei os ombros.
— Legal… – Ângela riu.
Ficamos conversando por mais alguns instantes, até que escutamos passos do lado de fora. Dominic e Ângela arregalaram os olhos e, bastaram dois segundos e eles estavam escondidos em um compartimento secreto abaixo da escada.
— Psiu! Vem pra cá! – Ângela sussurrou alto.
Corri até eles. Três sombras invadiram o salão da recepção do antigo hotel.
— Emily? Dominic? Ângela? Vocês estão aqui? – Eu ouvi uma voz familiar e falhada.
— Mãe? – Gritei.
Saí do esconderijo secreto e andei até minha mãe, que estava acompanhada de Andrews e Rose Mary, os pais de Ângela e Dominic. Abracei minha mãe e cumprimentei Andrews e Rose.
— O que fazem aqui? – Minha mãe olhou ao redor e fez cara de espanto.
— Nosso ponto de encontro! – Expliquei.
— Deixe-me verificar algo aqui… – Andrews subiu as escadas e ouvi umas batidas. — Sim! Está aqui!
Subimos as escadas para ver o que ele havia encontrado.
— Nossa! – Eu me abismei.
Era um local de acesso a uma sala de janelas límpidas. Parecia ser um escritório presidencial!
— Esse lugar tem sido passado de geração em geração até chegar a nós. – Dominic explicou.
— Nossa… – Minha mãe andou até uma das janelas e observou a vista. — É magnífico! – Ela continuava a observar o visual.
— Como ele sabia que este lugar estava exatamente aqui? - Sussurrei quase inaudível para Dominic.
— Meus antepassados projetaram esse hotel! – Andrews virou-se para mim e me respondeu. Fiquei impressionada! Como ele pôde ouvir minha voz?
Ele prosseguiu.
— A planta deste hotel foi deixada para nós como última geração existente de nossa família. A planta é algo que somente nós possuímos, por ser refúgio de desertores onde um dia houve guerra. – Ele estava vidrado nos detalhes do teto da sala.
Acompanhei seu olhar e vi que uma espécie de história era contada em forma de gravuras.
— O que significam? – Apontei para elas.
— Um mito antigo. – Dominic me explicou.
Assenti tentando desvendar a história por mim mesma, porém havia algo muito estranho, não consegui entender muito bem.
— Um clã antigo de nobres estava em seu abrigo, quando um pobre homem achegou-se a eles desesperado e com uma moça a beira da morte em seus braços. – Ângela começou.
— “Salve-a!” ele suplicou. – Andrews prosseguiu. — “Sei que vocês podem salvá-la” Ele disse aflito. Seu coração estava a ponto de saltar do peito. Um dos homens levantou-se de seu trono, andou até o moço e tomou a mulher em seus braços.
— Colocou-a sobre uma mesa de pedra e ali um sacrifício foi feito, a mulher revivera, porém para sempre e com outro estilo de vida. – Dominic continuou.
— Outro… estilo de vida? – Fiquei curiosa.
— A moça beberia sangue daquele dia em diante. E a primeira vítima dela seria o próprio marido. Foi o acordo proposto. O marido logo propôs outro acordo. – Ângela explicou.
— “Deixe-nos ser iguais, para sempre.” Ele propôs. O acordo foi aceito. Sobre a mesa de pedra, agora, estava o marido, estirado, esperando o momento de reencontrar sua amada. O líder cravou suas presas em seu pescoço. Agora ambos tornaram-se iguais. – Andrews baixou a cabeça, emocionado.
Ângela correu até o seu lado e pôs a mão em seu ombro.
— Está tudo bem? – Minha mãe preocupou-se.
— Sim. É que toda vez que ouço esta história eu me emociono. Tenho pena do casal… Não mereciam ter esta vida. – Ele olhou para minha mãe.
Ângela manteve os olhos no pai e virou a cabeça para os lados. Parecendo compreender, Andrews andou até uma estante de livros e pegou um livro de capa verde. Assoprou dele a poeira que o cobria e me entregou.
— Acho que você vai gostar deste. É um romance. Já o li cinco vezes. – Ele sorriu; sua expressão tristonha se desfez.
— Obrigada! – Agradeci pegando o livro. — Olha, falta um pedaço da história! – Apontei para um canto da parede perto da estante.
— Desde então a nova família de vampiros tem se multiplicado até os dias atuais, mas como eu lhe disse é um mito antigo. – Dominic rapidamente me explicou.
Assenti. Depois de mais algumas áreas mostradas a nós, descemos as escadas e voltamos para o Transilvânia II. Do lado de fora, meu pai nos aguardava. Dominic e Ângela correram à frente de todos, eu os segui rapidamente. Eles estavam alegres.
— Esperem! – Eu soltei, estava exausta.
— Vamos ajeitar os instrumentos no teatro, quer vir? Vem! Vai ser legal! – Ângela pegou minha mão e me puxou até o elevador.
Subimos, o teatro estava vazio. Era uma extensa sala com uma leve iluminação e adiante de uma centena de poltronas enfileiradas havia um enorme palco onde havia um lindo e brilhoso piano de calda.
— Me ajude com isto aqui! – Ângela carregava uma flauta transversal e um violão nas mãos ao mesmo tempo.
Peguei mais alguns instrumentos pequenos e alguns microfones. Coloquei-os em um canto do palco.
— Você tem que cantar com a gente hoje! – Ângela afinava um violão de acordo com as notas no piano. — Vai ser demais! – Ela lançou um olhar incrivelmente doce em minha direção.
— Ah não, não, não, não, não! Não mesmo! Pode parar com essa cara de cãozinho abandonado! – Eu sacudi a cabeça tentando desfazer o encanto de Ângela para mim.
— Por favor! – Dominic apoiou uma das mãos no palco e saltou para perto de mim. — Por mim, que seja… – Ele se aproximou de mim.
Eu hesitei por um momento, mas logo retomei minha postura rígida.
— Não! Este salão vai estar lotado de gente olhando pra mim e me analisando e falando mal de mim, fora que eu vou travar e ficar toda vermelha e… – Dominic me interrompeu.
— Calma. – Ele pegou minha mão. — Você não precisa cantar, se não quiser. Mas… que ia ser incrível, isso sim… – Ele me olhou profundamente nos olhos, que agora estavam mais claros que o natural, absorvendo a luz claríssima do palco.
Pensei um pouco enquanto Ângela e Dominic testavam os instrumentos para a apresentação. Sentei-me na beirada do palco e focalizei em um ponto só, pensando.
— Já estão prontos? – Andrews adentrou a enorme sala e sua voz ecoou por cada canto do recinto.
— Estão sim. – Dominic afirmou.
— Ótimo. Vamos testar mais uma vez, juntos. – Ele subiu no palco do mesmo modo que Dominic subira anteriormente. — Emily, quer se juntar a nós? Fiquei sabendo que você tem uma voz maravilhosa. – Eu gelei ao ouvir a voz de Andrews.
— Tudo bem, mas somente para um ensaio, ok? – Eu me levantei e sentei em uma banqueta, perto do piano.
Dominic assentou-se ao piano, Ângela pegou um violão e Andrews também. Eles começaram a tocar justamente aquela música que não saía dos meus pensamentos bagunçados.
Eu me entreguei completamente à canção. Não havia reparado, mas Rose Mary estava assentada na primeira fila juntamente com minha mãe e meu pai. Eu só me concentrei em cantar o melhor que podia, então fechei os olhos e me levantei da banqueta onde estava sentada. Comecei a fazer gestos de acordo com a música.
Quando terminei, havia mais gente do que pensei ter visto e eles me aplaudiam. Arregalei os olhos e desci as escadas do palco correndo, quase caí. Sentei-me ao lado da minha mãe.
— Muito bem, meu anjo! – Ela sussurrou e beijou minha testa.
Abracei minha mãe, rubra de vergonha.
— Você é muito talentosa, Emily! Tem que explorar isso. – Rose Mary me sugeriu.
Sorri, ainda tímida. Dominic, Ângela e Andrews desceram do palco e sentaram ao nosso lado.
— Meus mais sinceros parabéns! – Dominic sussurrou em meu ouvido, fazendo-me arrepiar.
— Obrigada. – Eu agradeci sorrindo.
Conforme o tempo foi passando, as pessoas foram chegando ao salão. Olhei para cada uma delas; as pessoas eram diferentes, de diversos lugares, eu imagino. Um moço elegante me olhou com cara séria, parecendo me analisar. Senti-me mal e virei o rosto para o lado contrário ao que ele estava.
O show começou. O mestre de cerimônias anunciou os D’mitri, eles subiram ao palco e começaram a tocar. Cantavam e tocavam majestosamente. Ângela inclinou a cabeça para o lado e olhou para mim, eu acenei negativamente com a cabeça, em resposta ao seu pedido para que eu cantasse junto a eles.
Logo que o show terminou, fomos jantar. Mais uma vez, os D’mitri sumiram. Não os vi mais depois daquilo. Avisei minha mãe que iria até o banheiro, mas para chegar lá, tinha que atravessar um corredor muito silencioso onde só se ouvia meus passos. Mesmo assim fui, porém ouvi passos a mais, além dos meus. Olhei para trás e nada havia. Quando meu olhar voltou-se para frente, dei de cara com o mesmo sujeito elegante.
— Você canta muito bem. – Ele era inexpressivamente indecifrável, se é que essa expressão existe.
— Obrigada. – Eu disse, desconfiada, minha voz saíra falha.
— Ei, mocinha! Fique tranquila. Não farei nada a você! Só gostaria de lhe ouvir cantar mais vezes, principalmente para mim. – Ele agora estava sorrindo maliciosamente e seus olhos ardiam.
Não disse nada e apenas tentei correr. Ele agarrou meu braço.
— Socorro! – Eu gritei.
— Solte-a, Roney. – Escutei uma voz que me acalmava.
— Se não é Dominic D’mitri! – Ele não soltou meu braço. — O que faz aqui? Pensei que o que eu lhe causei o afastaria de tudo… – Ele fechou os olhos, tentei aproveitar a oportunidade para fugir, porém seu aperto era forte.
Dominic pegou meu outro braço e me puxou, libertando-me do agarro de Roney.
— Saia daqui. Deixe-a em paz… – Dominic mantinha-se sério, porém sua voz saiu como um rugido.
— Quem é ele? – Sussurrei para Dominic.
Ele, porém, não me respondeu. Apenas me puxou para longe dali. Entramos em uma sala, onde havia mesas de snooker e jogos de dardos. A sala de carpete verde era bem aquecida e iluminada por uma luz anêmica.
— Fique longe dele, entendeu? – Ele sibilou para mim.
— Eu nem o conheço! Por que chegaria perto de um sujeito daqueles! O difícil vai ser ele ficar longe de mim! – Sacudi a cabeça negativamente repetidas vezes.
— Você tem razão… Não sei o porquê de ele estar aqui… Pensei que tivesse resolvido tudo… – Ele murmurou para si, porém o escutei.
— Esclarecido o que? – Minha curiosidade foi despertada.
— Já disse que seus ouvidos não merecem ouvir minhas baboseiras… – Ele ainda estava tomado por ares sérios.
— Me explica o que está havendo! Eu… não consegui entender nada! – Eu irritei-me.
— Por favor… esqueça este assunto… de uma vez por todas. – Ele olhou fundo em meus olhos. Seus olhos estavam tomados pelo breu.
— O que aconteceu com você? Por que você sempre some? – Eu questionei, sussurrando.
— Meus pais… não gostam da comida daqui… Preferem comer fora. – Ele explicou. — Tenho que ir junto, com Ângela e meus pais.
Assenti vagarosamente.
— Você… é tão misterioso… Não deixa que eu saiba quase nada sobre você! – Eu apertei os olhos.
— Você só precisa saber o necessário sobre mim… nada mais. – Ele sorriu.
Eu ri.
— Meus pais devem estar me procurando. Vamos. – Puxei-o pela mão, gélida, mas antes espionei o corredor, para garantir que Roney havia partido.
Quando chegamos ao encontro deles, Dominic me abraçou e se foi, como sempre, sumiu. Sentei em meu lugar de sempre, ainda tentando entender este misterioso caso que insistia em me perseguir, este moço que mal me conhece… Pedi meu prato e continuei a pensar… Pensei que tinha esclarecido tudo… A voz de Dominic ecoava em minha mente. Escorei minha cabeça em uma das mãos e observei o negrume da paisagem sombria que nos cercava. Notei uma estranha movimentação entre as árvores. Espremi os olhos e inclinei a cabeça.
— Filha… o que houve? – Meu pai preocupou-se.
— Tive a impressão de ter visto um… urso… – inventei qualquer história.
— Urso? – Ele parou para refletir.
Levantei-me num pulo e corri até a recepção. Saí para fora do hotel, estava chovendo. Puxei para o alto da cabeça, o capuz do casaco negro que usava. As gotas de chuva me molharam toda. Corri até o lado do Transilvânia I, por entre as árvores, para averiguar o que eu realmente vira.
Escutei um rosnado. Meu coração pulsou forte. Minha respiração se descontrolou. Senti algo me empurrar mais para dentro da floresta. Caí sentada no chão sem saber ao certo onde eu estava ou quem – ou o que – me empurrara para ali.
— O que faz aqui, mocinha? – Escutei uma voz feminina e muito doce.
— Estou… de saída… – Tentei me levantar, porém fui empurrada para o chão novamente.
— Ah… Fica mais um pouquinho… Sei que ele não vai se importar… – A voz era doce e sedutora.
Quando finalmente consegui me pôr de pé, vi pontos vermelhos brilharem no escuro.
— Fica… – Ouvi sussurros e sibilos para mim. — Fica mais um pouco… – Eu andei para trás e bati em alguma coisa.
Parecia uma pedra, quem sabe a parede do hotel ou uma árvore. Logo em seguida, algo me agarrou forte, senti uma respiração em minha orelha.  As paredes e árvores não agarravam e nem respiravam! Uma risada maldosa me soou ao pé do ouvido; arrepiei-me.
— Ora, ora, ora… Se não é a donzelinha do Dominic! “Me salva, me salva!” – Ele ironizou maldosamente.
— Me… solta… – Eu estava apavorada; na hora pensei “O que eu estou fazendo aqui?!”.
Eles riram. Pelas vozes eram mais de dez pessoas! Era gente demais pra mim! Mal conseguia respirar.
De repente uma luz forte acendeu-se na nossa direção. Havia dois homens e duas mulheres ao meu redor, contando com o que me agarrava.
Eram uma moça ruiva e uma loira, o moreno elegante e mais um moreno forte, com aparência jovem. Eles estavam vestidos de preto, seus olhos eram avermelhados, seus dentes eram branquíssimos e pareciam ter presas de animal. A moça loira se irritou com a luz e soltou um grito tão alto que meus ouvidos não suportaram a potência! Eu não suportei a dor aguda em meus ouvidos e gritei também! Os risos maléficos deles se espalharam por ali.
— Dominic! Ângela! – Eu gritei desesperada enquanto sentia alguém acariciar bruscamente minha testa que se ferira.
Quando fechei meus olhos, quase desistindo, estava na frente do Transilvânia II. Percebi que o grito da loira cortara minha pele! Eu tremia muito, sentei-me nas escadas da entrada do hotel. Ângela correu até mim e se sentou ao meu lado.
— O que houve amiga? – Ela limpou o sangue, que escorria da minha testa ferida, com ares preocupados.
Não a escutei… Ficara surda por um tempo… Então ela pegou um caderno e escreveu:
“Me explica o que houve!”
Eu tentei escrever, mas minha letra saiu um verdadeiro garrancho por culpa de minha tremedeira.
“Alguém me atacou… ela gritou e eu fiquei assim… não posso te ouvir direito.”
— Quem te atacou? – Eu ouvi um ruído mínimo.
— Era uma loira, uma ruiva, um moreno forte e o Roney… – Eu chorava, minha voz mal saía da garganta.
Ela me abraçou, arfando; eu fechei os olhos e vi um vulto de mais alguém chegando ali.
— O que houve? – Reconheci a voz de Rose Mary.
Depois disso não vi e nem ouvi mais nada. Quando abri meus olhos eu estava deitada em uma maca de hospital – Aquele cheiro de remédios e ruído de tosse não me enganava.
— Mãe…? – Eu disse ainda dormente.
— Calma filha… Eu estou aqui. Fique calma! – Ela pegou minha mão; sua mão tremia mais do que a minha. — Ângela explicou que você desceu as escadas rápido demais e caiu da escada por cima da mesinha, mas está tudo bem!
Impressionei-me com a história de Ângela, olhei para ela e sorri. Ela sorriu de volta e acenou. Dominic estava distante, acompanhado do pai, enquanto Rose Mary cuidava de avisar os parentes que ligavam sem parar pro meu celular – nem sei como souberam disso!
— Dominic! Vem ver! Ela acordou! – Ângela chamou o irmão.
Ele aproximou-se de mim, sério.
— Acordou… – Ele sorriu timidamente e acariciou meu cabelo.
— Mais ou menos… – Eu ri com um pouco de esforço.
— Senhora Anders, posso falar um pouquinho com a senhora? – Ângela olhou para minha mãe e, em seguida, sorriu maliciosamente para mim.
— Claro, querida. – Minha mãe a seguiu.
Ângela puxou mamãe para um canto, juntando-se a Andrews, deixando-me a sós com Dominic.
— Me explica o que foi aquilo… – Eu ainda estava rouca e sonolenta.
— Não sei como te explicar… – Ele franziu o cenho.
— Só me diz a verdade! – Esforcei-me para falar mais alto, porém meu esforço foi vão.
Ele acariciou meu rosto. Eu o abracei, ele retribuiu.
— Fiquei com medo… – Eu o abracei mais forte e chorei; seu corpo era frio.
Ele não disse nada. Apenas beijou minha testa com seus lábios deliciosamente frios.
— Quando eu sair daqui… – Voltei a me deitar na maca. — Vou cantar com você… – Eu disse sussurrando.
— Não creio que seja… apropriado para sua condição física. Seus ouvidos estão sensíveis a qualquer ruído mínimo.
— Eu não ligo pra como eu estou! Só quero que você seja feliz, que não se preocupe comigo! – Continuei a sussurrar.
O doutor se aproximou de mim.
— Senhorita… – Ele olhou meus laudos pra confirmar meu nome. — Anders, isso? – Ele ajeitou os óculos.
Assenti com a cabeça.
— Você já pode sair daqui, mas terá que ficar em repouso, sem ruídos altos ou qualquer coisa assim. Também não aconselho que grite. Sua voz pode piorar. – Ele não tirou os olhos verdes da prancheta.
— Tudo bem. – Eu sussurrei.
— Shh… – Dominic sibilou. — Não ouviu o doutor? Quietinha! – Ele sorriu.
Fechei meus olhos; eu só queria descansar de tudo, de todos. Voltamos para o hotel, de táxi. Andrews pegou-me no colo com muita facilidade. Também não era muito esforço me levantar. Ele pôs em minha cama e me cobriu.
— Senhor D’mitri… – Chamei, com um pouco de esforço enquanto ele se virava de costas para mim.
— Por favor, chame-me de Andrews, tá bem? – Ele sorriu um riso delicado.
— Chame Dominic pra mim, por favor? – Eu sussurrei.
— Você precisa descansar, querida.
— Só consigo descansar se ele estiver aqui! Preciso olhar nos olhos dele. – Eu murmurei.
Ele se levantou e chamou Dominic, que estava apreensivo.
— Fique aqui… – Murmurei o mais alto que pude.
— Você tem que… – Eu o interrompi antes que ele repetisse o que o pai dissera.
— Só se você estiver aqui… – Fechei meus olhos e os abri novamente.
— Tudo bem… – Ele sorriu. — Mas só um pouquinho.
Conversamos por um longo tempo e o pouquinho de Dominic se estendera por uma noite inteira. Conforme o tempo passava, meus olhos iam se fechando mais, porém Dominic permanecia imutável.
— Onde está meu pai? Não o vi… – Eu estava quase dormindo.
Fechei os olhos e ouvi a porta se abrir.
— Oi meu bem! Eu trouxe umas coisinhas pra você, caso sinta fome. – Meu pai entrara pé por pé e sussurrava ao falar.
— Pai… Onde você esteve? – Ele quase não me escutava.
— Eu? Comprando o que você me pediu! – Ele mostrou um porta-joias branco, de porcelana, uma caixinha toda detalhada com pedras brilhosas, que pôs ao lado de uma cesta de frutas que trazia consigo.
Ele a abriu e me mostrou o que havia dentro. Era uma pulseira encravada de diamantes. Meus olhos brilharam.
— Pai… Pra que gastar com isso… – Eu disse sussurrando e sorrindo.
— Você merece muito mais, querida! Perdoe-me por ser tão ausente ultimamente. – Ele sentou-se ao meu lado.
Sacudi a cabeça devagar, negativamente.
— Vou te deixar dormir. – Ele beijou minha testa.
— Me espere senhor Anders. – Dominic se levantou para seguir meu pai, porém segurei firme sua mão.
— Fica… mais um pouco… – Eu pedi com voz fraca.
Ele olhou para meu pai; me pai sorriu. Dominic sentou-se ao meu lado. Ele mexia no meu cabelo, quando meu pai saiu do quarto. Meus olhos começaram a se fechar e eu não vi absolutamente mais nada.

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