domingo, 1 de abril de 2012

Segunda-feira, 29 de abril

Quando novamente despertei, eu estava em meu quarto, deitada em minha cama, olhando pra o teto. Tudo não passou de um sonho. Me levantei. Dominic estava sentado ao lado da minha cama, tenso, sério.
— Oi. – Cumprimentei docemente.
— Emily! – Ele se sentou ao meu lado, me abraçou forte e me beijou docemente os lábios.
Senti algo estranho em seu toque. Era como se ele fosse um humano, já não era mais gelado como antes.
— Dominic… tem alguma coisa errada aqui. – Eu me afastei devagar.
Ele se calou, seu olhar era triste. Ele me guiou pelo ombro até o espelho. Olhei meu reflexo, não vi nada de diferente.
— Olha que coisa linda... – Ele murmurou sorrindo.
Sorri também. Ele Ficou olhando meu reflexo no espelho. Olhei pra o reflexo e meu sorriso se desfez e foi substituído por um surto de pavor.
— O que… é isso? – Eu observei no lugar de dentes, presas em minha boca.
— Emily, você foi transformada. – Ele murmurou desanimado.
Deslizei minha mão sobre meu peito, não senti meu coração bater. Minha pele estava branca, meus olhos tomados de azul escuro.
Suspirei e sorri. Virei-me para Dominic.
— Posso ser só sua agora. – Sussurrei sobre seus lábios.
Ele sorriu meio forçado e me beijou. Passou dos lábios ao meu pescoço e travou.
— O que foi? – Sussurrei.
Ele virou-me para meu reflexo no espelho e deslizou a gola da minha blusa até meu braço, bem devagar. Fechei os olhos e suspirei. Abri os olhos e vi a marca da mordida no meu ombro.
Entendi o motivo pelo qual Dominic travou ao se aproximar da marca. Eu servia de lembrança do pior pesadelo dele. Ele não queria que eu fosse um monstro, por que ele se achava um monstro.
— Dominic... – Deslizei minha mão sobre seu rosto, agora não tão frio quanto antes.
Ele olhou pra mim, triste, abalado.
— Eu te amo. Não me importo de ser o que sou, desde que esteja com você. – Sorri amavelmente.
Ele sorriu bem de leve, entrelaçou os dedos em meus cabelos e me beijou. Beijou-me como nunca antes, algo muito intenso e vivo! Saltei sobre ele e entrelacei meus tornozelos em seu tronco. Ele me segurou e deu alguns passos pra trás até bater em uma parede. Soltei minhas pernas do corpo dele e me afastei um pouco.
— Quantos segundos? – Dominic estava… ousado, digamos assim.
— Acho que passou dos cinco de sempre. – Eu ri baixo.
— Ótimo. – Ele grunhiu e saltou sobre mim, me empurrando pra cima da cama.
 A cena era essa: Eu deitada na cama, agora uma imortal vampira, louca de sede; sobre mim, um imortal vampiro, lindo e perfeito, louco por mim. Agarrei-me ao seu pescoço e o beijei intensamente.
Ele se levantou rapidamente, suspirou, sentou-se na cama, sorriu torto.
— O que está aprontando? – Me levantei ajeitando os cabelos.
— Nada. Só me lembrei do seu corpo irresistível aos meus olhos. – Ele murmurou, um sorriso sedutor nos lábios.
Mordi o canto do lábio inferior e o olhei de canto de olho. Ele se virou para mim e me puxou pra perto dele.
— Eu te amo. – Ele sussurrou sobre meus lábios.
— Eu também. – Murmurei e o beijei novamente.
Abri o zíper do seu casaco até embaixo, ele abriu o meu. Passeei minha mão sobre suas costas, sob a camiseta branca de mangas longas. Ele parou de me beijar, se afastou um pouco de mim, me abraçou forte.
— O que aconteceu? – Sussurrei.
— Não é por que agora somos iguais que podemos dar um passo a mais. – Ele murmurou convicto.
— Me desculpe, mas essa sede incontrolável me faz te querer tanto... – Expliquei.
— Você precisa caçar. – Ele se afastou de mim. — Mas antes, posso tentar uma coisa?
— Sim.
— Me dá um soco. – Ele ficou os olhos no chão, sério.
— O que?! Não! Você ficou doido? – Me espantei.
— Anda logo, Emily. – Ele continuou sério.
Suspirei e fiz o que ele pediu. Ele foi arremessado contra a parede, que se partiu.
— Desculpa! – Cobri a boca com ambas as mãos.
— Potência. – Ele murmurou.
— O que? – Me levantei e o ajudei a levantar.
— Tenho quase certeza que você possui potência como centro das habilidades. – Ele segurou minha mão e se levantou.
— E por que tem tanta certeza? – Fiquei curiosa.
— Olha. – Ele apontou pra parede rachada.
— Ah. Entendi. – Fiquei meio sem entender.
— Você transformou Roney em pó. Precisa de mais alguma prova? – Ele disse em tom de obviedade.
Fiquei quieta e acenei negativamente com a cabeça.
— O que mais eu devo ter? – Pensei.
— Presença. – Ele riu.
— Acho que não. Não consigo te manipular. – Fiquei brava e cruzei os braços.
Ele riu e me abraçou.
— Você fica mais bonita sorrindo. E comigo sua presença funciona. – Ele continuava rindo.
Sorri pra ele e beijei sua face de leve. Andy saltou a janela.
— E aí, como ela está? – Ela estava atordoada.
— Olá, Ângela. Eu estou bem. – Eu disse desanimada.
Ela viu meu desânimo aparente e me abraçou forte. Sua força já não era tão brutal como antes.
— Sente algo de diferente em você? – Ela murmurou.
— Tem algo arranhando na minha garganta. – Pigarreei.
— Ela ainda não caçou. Temos que levá-la pra floresta. - Dominic se manifestou.
Ângela assentiu e se sentou sobre a janela.
— Encontrei. – Ela disse séria depois de alguns segundos.
— Vamos. – Dominic me pegou nos braços e saltou a janela.
Nos embrenhamos silenciosamente dentro de uma floresta.
— Você agora vai ter que aprender a arte da caça pra sobreviver. – Ele sussurrava. — Primeiro localize sua presa.
Tentei procurar com os olhos, mas não encontrei.
— Ouça. – Ele sibilou bem baixinho. — Sinta o cheiro, capte os movimentos. – Ele começou a caminhar agachado como um leão.
Fiquei imóvel no mesmo lugar para não causar problemas ou assustar a vítima. A única coisa que consegui ver foi um raio negro arremessando-se contra um veado solitário. Me apavorei e dei alguns passos pra frente quando não mais vi Dominic. Quando finalmente o enxerguei, ele estava com os olhos fixos no animalzinho, que tentava se libertar do aperto violento dele.
Quando o bichinho finalmente aquietou-se para a morte, Dominic o pegou nos braços e o trouxe para mim.
— Não é difícil. Sei que não é nada agradável, mas é necessário. – Ele permanecia sussurrando.
Quando olhei para o animalzinho que ainda mantinha os olhinhos abertos, fiquei nauseada. Uma coisa subiu por minha garganta e desceu novamente.
— Não consigo. – Murmurei.
— Você precisa disso! – Ele insistiu.
— Não posso tentar comer o que eu comia antes? – Sugeri. — Se eu não conseguir, prometo que… faço isso.
— Tudo bem. – Ele largou o bichinho no chão.
Voltamos para minha casa. Abri a geladeira e preparei um sanduíche de queijo. Encarei o alimento, com medo de não gostar e ter que beber o sangue de um veadinho inocente. Mordi um pedaço. Adorei! E me senti aliviada por isso. Continuei comendo normalmente.
— Consigo sobreviver só com comida humana. – Eu larguei o prato no balcão.
— Isso é muito estranho. – Dominic alisou o queixo.
— Por quê? Eu tenho que gostar de sangue animal ou humano? – Fiquei curiosa.
— Era pra você estar enlouquecida sem isso. – Ele murmurou me fitando nos olhos.
Cocei a cabeça, em dúvida. Será que eu era só uma vampira temporária? Será que eu era anormal? Minha testa estava com uma interrogação desenhada.
— Precisamos falar com Andrews. – Ele suspirou, confuso.
Assenti uma só vez com a cabeça. Fomos até a casa dos D’mitri. Entrei pela porta. Andrews, de longe já vinha com uma expressão séria.
— Emily, se sente bem? – Ele deu ares de preocupação.
— Sim, eu estou. – Respondi séria.
— Que bom. – Ele sorriu.
Dominic aproximou-se de nós dois, atordoado e confuso ainda.
— Andrews, preciso que você faça uns testes com ela. Ela é diferente de tudo que eu já vi antes! – Ele se atordoou.
— Tudo bem, Dominic. Acalme-se. – Ele tocou o ombro do filho.
Dominic suspirou e se afastou de nós.
— Pode ver comigo, por favor, Emily? – Andrews foi gentil.
Sorri e o acompanhei até uma sala escura, de carpete vermelho, uma mesa linda de madeira antiga a envernizada, quadros de paisagens, livros antigos e enormes.
— Sente-se. – Ele se sentou em uma cadeira diante de um divã de couro.
Sentei-me no divã e me ajeitei.
— Só vou lhe fazer algumas perguntas, tudo bem? – Ele mantinha-se sério.
— Sim.
Ele pigarreou antes de começar a falar.
— Soube que você mesma matou Roney com suas mãos. – Ele me fitou sério.
— Não gosto de pensar assim, mas é verdade. Eu… eu o vi correndo na minha direção e ele me mordeu… foi horrível.
— O que te fez… cometer esse ato?
— Eu não suportei o ouvir rir daquele jeito. Ele estava caçoando da minha fraqueza. – Cerrei os punhos.
— Entendo. O que aconteceu antes?
— Minha mordida não doeu, mas eu pude sentir uma corrente elétrica passar por dentro de mim. Era muito forte. E quando eu gritei com a dor, os vidros se quebraram. – Expliquei as cenas que eu pude ver. — Depois não vi mais nada.
Ele anotou algo em um caderno azul.
— Quanto à sua caçada. O que me diz? – Ele mantinha os olhos fixos no caderno.
Andrews já sabia onde eu tinha ido, isso não me espantava nem um pouco. Ele era dono de autos auspícios.
— Não precisei caçar. Um sanduíche de queijo me supriu. – Eu ri.
Ele não riu. Ficou olhando espantado para mim. Voltou os olhos para o caderno e anotou nervosamente alguma coisa. Olhou para mim novamente, voltou a fitar o caderno, folhou, folhou, folhou e voltou a olhar pra mim.
— E agora, o que você sente? – Ele me fitou sério.
— Hum... Eu me sinto… acordada, sem fome, não estou cansada; estou até meio agitada. – Sorri.
— Incrível. – Ele se levantou.
Fiquei no mesmo lugar onde eu estava. Andrews abriu uma cortina. A luz do pôr-do-sol me cegou por alguns segundos, mas logo me acostumei.
Ele se sentou ao meu lado.
— A luz incomoda você? – Ele sorriu.
— Não. – Sorri para ele também.
Ele voltou a se sentar no mesmo lugar e anotar mais alguma coisa no tal caderninho.
— Emily, você é realmente muito difícil de desvendar. – Ele mantinha-se sério.
— Nossa… sério? – Me espantei.
— Sim. Eu achei que você fosse uma vampira comum, dotada de potência e qualquer outro talento, mas não é bem assim. – Ele alisou o queixo como Dominic fazia quando estava tomando uma decisão. — A luz não te incomoda, você não se sente mal por estar em uma sala com claridade. Isso não me espanta muito. Mas mesmo assim, você é diferente.
— Mas isso… é ruim? – Torci para que ele dissesse “não”.
— Para nós, seus aliados, não é tão bom. Mas isso nos dá uma vantagem contra nossos inimigos. Eles não reconhecerão seus talentos. E creio que até já sei o que você é exatamente. – Ele sorriu enquanto analisava a situação.
— No que eu me transformei?! – Eu estava afoita.
— Você é uma híbrida, mas tem grande chance de se transformar em uma vampira poderosa. Sua potência é muito forte; Nancy precisa se esforçar pra chegar ao nível vocálico que alcança. Você nem faz esforço! – Ele se admirou.
— Híbrida, do tipo… mestiça… é isso? – Eu ainda tinha lá minhas dúvidas.
— Sim. Ao que me parece, ainda resta DNA humano no seu organismo. Isso pode ou não se transformar. – Ele explicou.
— E como é que eu vou saber de todos os meus dons?
— Você vai descobrindo aos poucos. Eu demorei em média um mês pra descobrir todas as minhas disciplinas. A primeira foi os auspícios.
— O que facilita o aprendizado das outras. – Eu ri.
— Dominic está afoito pra saber que conclusões nós tiramos. – Ele se levantou e abriu a porta para mim. — Vamos lá.
Eu o segui. Dominic estava realmente afoito, andando de um lado pra outro, nervoso.
— E então? Descobriram? – Ele se aproximou de nós antes que chegássemos a ele.
— Sou uma híbrida. Misto de vampiro e humano. – Expliquei, ainda confusa.
— Híbrida?! Mas como? – Ele se espantou.
— Na verdade isso é um mistério até pra mim, Dominic. – Andrews respondeu.
— Desde o começo suspeitei que essa garota não era comum. – Ele beijou minha testa e sorriu.
— É… notei que eu sou anormal. – Eu ri.
Ele riu e beijou meu rosto. Sentamos no sofá da sala enorme. Andrews subiu as escadas ainda fixo nas anotações do caderno.
— Andrews já determinou suas habilidades? – Ele inclinou-se para frente e se escorou sobre os joelhos.
— Ele disse que, com certeza, eu possuo potência. Quando estourei os vidros atingi uma potência vocal tão alta quanto a de Nancy. – Expliquei o que Andrews me disse.
— Eu notei. – Ele estendeu a mão com um pequeno corte.
— Desculpa. – Eu disse timidamente.
— Uma coisa que eu notei na sua genética humana: você tem uma cicatrização muito rápida. – Ele alisou o queixo como seu pai fazia quando estava pensando.
— Eu achei isso muito… estranho. Mas é bom, se for ver pelo lado legal das coisas. – Pensei um pouco.
Ele fixou os olhos no meu ombro, onde eu tinha sido mordida.
— Você deve ter o dom da cura. Ou alguma coisa assim. – Ele pensou.
— Será? – Puxei minha gola até o ombro pra enxergar a marca.
Estava realmente débil. Quase não aparecia.
“Tenho quase certeza.”, pude ouvir em meus pensamentos.
— Mas como tem tanta certeza assim? – Me virei para ele.
— Que foi? Eu não disse nada! – Ele me olhou com uma cara estranha.
— Claro que disse! Eu ouvi! – Insisti.
Ele ficou me encarando, estático. Em seguida, sua boca se abriu. Ele aprecia apavorado.
— O que foi? – Eu me assustei.
“Pode me ouvir, não pode?”, pude ouvir em meus pensamentos, mas não vi sua boca se mexer. Arregalei os olhos e saltei pra trás.
— Tenho leitura mental! – Berrei.
— Isso não pode ser possível! – Ele estava neurótico.
— Com certeza eu devo ter as mesmas habilidades da Andy. – Pensei.
— Mas com o dobro de força que ela tem em cada disciplina. – Ele me fitou sério.
— Ei! Espera! A Andy não tem leitura mental! – Concluí depois de pensar por alguns segundos.
— O surgimento das habilidades não se explica por genética. E o que se adquire geneticamente vem em baixo nível. – Ele analisou a situação.
— As habilidades genéticas são adquiridas de acordo com o vampiro que transformou, não é? – Eu estava querendo entender.
— Sim. E algumas são adquiridas… por si mesmo. – Ele procurou palavras.
— Já sei o que houve. – Concluí. — Roney me transformou, o que me faz possuir um pouco de cada disciplina que ele tem. Os auspícios não pertencem a ele, então recebi de mim.
— A leitura mental só é adquirida geneticamente ou com um alto nível de auspícios. Então esse deve ser seu extra.
— Trabalhamos bem juntos. – Eu ri.
— Com certeza. – Ele sorriu e me abraçou.
Andrews desceu as escadas, com o caderno nas mãos e ainda fixo nas anotações.
— Concluí uma coisa impressionante a respeito dessa menina. – Ele se sentou ao meu lado.
— O que concluiu? – Eu estava ansiosa.
— Você é uma “vampira de disciplinas”. – Ele disse tranquilamente enquanto escrevia mais alguma coisa no caderno.
— Como assim?
Ele segurou minha mão e olhou-me nos olhos. “Sei que pode ouvir meus pensamentos e posso ouvir os seus”, ouvi na minha cabeça. “Sim, eu posso te ouvir.”, respondi. Ele sorriu. “Sai dos meus pensamentos, Dominic!”, pensei e olhei para ele.
— Desculpe, eu estava curioso. – Ele se retraiu.
Eu ri, Andrews também.
— Acho que no momento que você tocou em cada um de nós, que possui uma habilidade, você “sugou”, por assim dizer – Ele demonstrou aspas com as mãos. — o poder de cada um de nós, ou parte dele.
— Eu tenho praticamente todas as habilidades que conheci até agora! Todo mudo encostou em mim! – Eu ergui as mãos.
— É verdade. Você tem um grande poder em mãos! – Dominic murmurou baixo.
— Tenho que começar a estudar cada um dos meus adversários. – Analisei delicadamente a situação.
— Com certeza. Estamos, agora, muito mais forte do que eles. – Andrews sorriu imponente.
Peguei o caderno de Andrews e arranquei a última folha. Peguei a caneta e comecei a anotar as habilidades que eu me lembrava:

Presença, Quimerismo, Potência, Fortitude, Rapidez, Metamorfose, Auspícios...

Parei de anotar por que não me lembrei de mais nenhum.
— Deixa isso pra lá, Emily. Depois eu te entrego os nomes deles com cada habilidade que eles têm. – Dominic tirou o caderno das minhas mãos.
— Tudo bem. – Eu bocejei e esfreguei os olhos.
— Está com sono? – Ele passou o braço por cima dos meus ombros.
— Acho que sim. Minha parte humana ainda resiste. – Eu me aconcheguei em seu corpo.
— Vamos fazer um teste enquanto vamos para sua casa, pode ser? – Ele se levantou devagar.
— Sim, pode. – Me levantei também.
Andamos até fora da casa.
— Você só vai me acompanhar, ok? – Ele segurou minha mão.
— Tudo bem. – Eu estava um pouco temerosa.
Começamos a correr, o que não foi difícil pra mim. Ou Dominic estava correndo devagar, ou eu estava correndo muito rápido, o que era mais provável. Olhei pra o meu lado, a paisagem era distorcida pela velocidade.
Em segundos já estávamos diante da minha casa.
— Você é ainda mais rápida que eu. Dei tudo de mim pra correr do seu lado. – Ele sorriu e me abraçou.
— Ah! Você está falando isso só pra me agradar. – Eu o abracei também.
— Não! É sério! Estou até cansado. – Ele riu.
Eu ri também. Entramos pra dentro de casa, ele sentou no sofá. Me sentei ao seu lado e me deitei sobre suas pernas. Ele me fitou delicadamente, se inclinou um pouco e beijou minha testa. Ficou afagando meus cabelos.
— Você é linda. – Ele sorriu.
— E você é cego! – Eu ri.
— Eu? Cego? – Ele riu. — Posso te ver tão bem que enxergo que seus olhos estão olhando pra minha boca nesse momento. – Ele sorriu.
Ele acertara meu ponto de visão, desviei os olhos.
— E agora desviou os olhos para meus olhos, por que ficou com vergonha e continua rosinha. – Ele riu.
Eu ri e pensei “para com isso!”.
— Gosto de ver você rubra. – Eu o ouvi pensar.
— Você é terrível! – Me levantei.
— Não. Sou só um bobo apaixonado por uma garota incrível. – Ele sorriu e escondeu uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
Fiquei tímida e muda. Ele tinha essa capacidade: me fazer calar a boca.
— Você deve pensar que eu estou brincando, mas você está mais linda a cada dia que passa. Você se torna mais irresistível a cada momento. – Ele falou sério enquanto fitava meus olhos.
Ele prendia facilmente minha atenção nos olhos dele. Me ganhava tranquilamente só com um olhar.
— Descobri mais uma coisa sobre minhas habilidades. – Eu o encarei.
— E o que é? – Ele me abraçou vagarosamente.
— Não sou imune a sua presença. – Eu disse séria.
— E eu não sou à sua. Então estamos quites. – Ele sorriu e beijou minha testa.
— Eu não devo ter presença. Não consigo manipular você! Você não faz nada que eu peço. – Referi-me a minha transformação.
— Eu não resisto a você, tendo você presença ou não. – Ele me fitou nos olhos, me deixando sem palavras.
Sacudi a cabeça pra me desfazer daquela prisão encantadora.
— Viu isso?! Não consigo raciocinar! – Eu me exaltei.
— Eu não sou imune, mas posso te ensinar a tentar resistir. – Ele sorriu torto.
— Me ensine, então. Você nem parece que nota quanto eu faço alguma coisa. – Eu reclamei baixinho.
Ele fixou os olhos nos meus, manteve-se sério e concentrado. Comecei a ficar boba com aqueles olhos maravilhosos olhando para mim.
— Concentre-se. – Ele sussurrou.
Seu hálito frio me fez tontear. Fechei os olhos e suspirei. Abri-os novamente e fixei meus olhos nos dele. Concentrei-me apenas nas íris prateadas, sem notar o complemento maravilhoso que me admirava seriamente.
— Está se saindo bem. – Ele sussurrou e aproximou-se mais de mim.
Fechei os olhos e tentei beijá-lo, mas ele se afastou.
— Eu disse para se concentrar. – Ele murmurou.
— Então pare de me provocar! – Sussurrei.
— Os possuidores de presença vão fazer de tudo pra te seduzir. De qualquer jeito. Você não pode deixar que eles enrolem você. – Ele estava ainda sério.
— Tudo bem. – Suspirei e voltei a me concentrar.
Encarei-o profundamente nos olhos tentando agora seduzi-lo como ele fazia comigo. Ele riu baixo.
— Já pensei em me entregar pra esse azul, mas acho melhor não. – Ele fitou meus olhos.
— Concentre-se. – Repeti suas palavras.
Ele sorriu torto e fechou os olhos.
— Abra os olhos. – Sussurrei bem perto de sua face.
Ele abriu vagarosamente os olhos e me fitou.
— Agora me beije. – Sorri torto.
Ele ficou sem ação, suspirou e beijou minha testa. Em seguida, se afastou um pouco e sorriu.
— Incrível. Não consegui ouvir meus próprios pensamentos agora. – Ele fixou os olhos no chão.
— Tenho que tentar com outras pessoas. Você é suspeito em se entregar. – Eu ri.
— Não confia em mim? – Ele me encarou nos olhos.
Inclinei a cabeça para o lado e ri baixo.
— Confio, mas prefiro você quando não está tentando me seduzir, por que eu não me sinto tão indefesa. – Eu murmurei.
— Você é esperta. Vai saber se safar dessa. – Ele sorriu.
— Pelo que entendi, se eu combater presença com presença, vou ter mais força pra resistir à presença. É isso? – Eu queria esclarecimentos.
       — Depende. – Ele fitou o vazio. — Pra encarar presença, eu tento usar a minha, o que faz eu me concentrar em derrubar outra pessoa, fazendo com que eu não me concentre no meu oponente. Entende? – Ele me explicou gesticulando com as mãos.
— Perfeitamente. – Sorri. — Vamos brincar mais disso. Gostei desse joguinho de encarar. – Eu ri.
— Eu também adorei. – Ele sorriu e se aproximou de mim.
Me afastei dele devagar.
— Concentre-se. – Sussurrei e ri baixo.
— Depois o terrível da história sou eu. – Ele murmurou.
Eu ri e o beijei de leve.
— Eu amo você! – Ele sussurrou sobre meus lábios.
— Não tanto quanto eu. – Murmurei.
Abracei-o forte. Ele me ajeitou entre suas pernas e eu me escorei em seu tórax. Ele se embalava de um lado pra o outro. Aquilo me deixou com sono; eu até parecia uma criança.
— Você está me fazendo ficar com sono? – Murmurei de olhos fechados.
— Não. Está com sono? – Ele sussurrou em meu ouvido.
— Com você me embalando assim eu fico com sono. – Eu ri baixo.
— Ah, minha criancinha. – Ele riu e beijou meu pescoço.
— Criancinha? Ah para! – Eu ri.
— Sabe que eu estou brincando. Você não é uma criança. Você é uma mulher; madura e muito inteligente, resumindo em uma palavra: Perfeita, em todos os sentidos. – Ele sorriu.
Sorri e me virei de frente pra ele. Fiquei ajoelhada, sentada sobre meus calcanhares, entre suas pernas longas, com os braços estendidos sobre seus ombros. Ele me fitou nos olhos, sorriu novamente e beijou minha testa.
— Dominic... – Chamei suspirando.
— Sim, Emily? – Ele murmurou.
— Quando vou poder ver minha mãe? – Olhei para o relógio que marcava 18:37.
— Se quiser podemos ir agora. Topa? – Ele sorriu.
— Sim. – Me alegrei.
Me levantei rapidamente da cama, ele me seguiu. Peguei uma muda de roupa, vesti um casaco um pouco mais grosso e atei ao meu pescoço uma manta vermelha.
— Por que tudo isso? – Ele riu baixo ao me ver vestida “pra guerra”.
— Em Ohio é frio. Ainda mais no inverno. – Justifiquei.
— Olha... – Ele falou em tom agudo com um pouco de ironia. — Acho que você não vai mais sentir nada. Nem frio e nem calor. Nunca mais! – Ele riu.
— Será que eu não vou sentir no meu DNA humano? – Abotoei o casaco.
— Pode sentir, mas eu não sinto. – Ele sorriu torto, imponente.
Dei de ombros, peguei minha bolsa onde eu pus minhas roupas e saí. Tranquei a casa e suspirei.
— Espero que fique tudo bem aqui. – Parei diante da porta.
— Vai ficar. – Ele me abraçou pela cintura.
Sorri ao ver sua tentativa perfeita de me alegrar e me acalmar.
— Como quer ir pra lá? De avião, de táxi, correndo mesmo, quer que eu te leve nas costas? – Ele riu.
— Acredito que preciso treinar minhas habilidades, então, vamos pela floresta, onde não se tem muita visibilidade. Se eu precisar derrubar alguma coisa, eu derrubo e ninguém nota.
— Bem pensando. – Ele sorriu. — Vamos lá.
Ele me pegou pela mão e corremos até a floresta. Corremos sobre as árvores mais alguns quilômetros pra dentro da mata. Depois de alguns metros andados, me sentei em um galho grosso de uma árvore.
— Está tudo bem? – Dominic parou de pé ao meu lado.
— Acho melhor pegarmos um avião. – Eu estava cansada.
Incrível como meu DNA humano era predominante em mim!
— Tudo bem. – Ele me pôs nas costas e saímos da mata.
Por coincidência estávamos bem perto de uma base da força aérea que guardava a fronteia contra estrangeiros clandestinos.
— Hora de testar sua presença. – Ele murmurou.
— Como assim? – Sussurrei.
— Peça para que um dos pilotos nos leve em um helicóptero até Ohio. E que nos escolte até chegarmos lá. – Ele sorriu; seu riso era tenebrosamente encantador.
Meus pés tocaram o solo e eu já começava a me preparar pra “seduzir” os homens da força aérea. Chegamos em frente ao portão, dois homens enormes guardavam-no com armas pesadas e carrancas bizarras.
— Com licença. – Murmurei para um deles.
O homem me encarou descaradamente.
— Sim? – Sua voz me fez estremecer.
Suspirei e prossegui.
— Pode nos deixar entrar para que possamos falar com seu superior? – Eu o fitei nos olhos.
O Homem riu alto, o que demonstrou que meu truque não funcionou.
— Vão embora daqui! Vocês não têm permissão para entrar no quartel general. – Ele disse com sua voz rouca e assustadora.
Me encolhi e me agarrei a Dominic.
— Por favor, nos deixe entrar. – Dominic encarou o moço.
O homem continuou sério e falou alguma coisa no radiofone pedindo autorização para abrir o portão. A permissão foi concedida e abriram o portão para nós. Encarei Dominic.
— Por que não funcionou comigo? – Eu sussurrei.
— Está desatenta. Precisa se concentrar mais. – Ele murmurou com os olhos fixos no moço a nossa frente.
— Hum. – Murmurei frustrada.
 Entramos em uma sala onde um senhor estava concentrado em mapas e desenhava neles com um compasso.
— Senhor, esses jovens desejam falar com o senhor. – O homem bateu continência.
— Obrigado, sargento. Dispensado. – O senhor se levantou.
O Homem saiu de cabeça erguida, rígido.
— Quem são vocês? – O senhor tinha uma voz rouca e muito sinistra.
Dominic me empurrou de leve como quem diz: É sua vez.
— Eu me chamo Emily Anders e esse é Dominic D’mitri, senhor. Precisamos que um dos seus pilotos nos leve até Ohio. – Me aproximei dele e o fitei nos olhos.
— Deixem-me fazer alguns comentários. Primeiro: vocês nem deveriam estar aqui, afinal isso aqui não é um playground! E segundo – Ele parou de falar.
Virei-me para trás, Dominic o fitava com olhos intensos. Mais um manipulado por ele. Placar: Dominic, um ponto; eu, zero! Eu sabia que alguém nos levaria até lá, por que ninguém escapava dele.
— Venham comigo. – O general se levantou; sua aparente desatenção demonstrava claramente que Dominic o estava controlando.
Segui o velho, revoltada. Cruzei os braços e fixei os olhos no chão. Dominic passou os braços por cima do meu ombro.
— Você está bem? – Ele murmurou.
— Não. – Sussurrei.
Notei que o velho parou e pareceu despertar de um transe.
— Dominic! O general! – Sussurrei.
Ele voltou a olhar para ele. Seus olhos eram um raio prateado.
— Essa foi por pouco. Desconcentrei quando olhei pra você. – Ele sussurrou e segurou firme minha mão.
Revirei os olhos. Já estava começando a achar que essa coisa de concentração não passava de um mero clichê. Chegamos a um helicóptero todo malhado de vários tons de verde, coisa do exército.
— Piloto! – O general bateu continência.
— Sim, senhor! – Ele se pôs em posição de sentido.
— Leve esses dois jovens até Ohio e faça-os chegar com segurança lá. Imediatamente! – O velho foi firme.
— Mas… senhor. – O piloto ficou desconfiado.
— Imediatamente! – O general repetiu berrando.
— Sim, senhor. – O piloto murmurou submisso.
O general se retirou, de cabeça erguida, marchando. O piloto nos encarou, sério.
— Entrem. – Ele subiu a bordo e colocou os fones de ouvido enormes.
Entramos no helicóptero e nos posicionamos nos devidos lugares. Ajustamos os itens de segurança.
— Pra que precisam de segurança? – O Piloto disse imponente.
— Por que podemos morrer aqui. – Eu disse em tom de obviedade.
— Você talvez, mas e ele? – O moço se virou pra trás.
Ficamos ambos sem palavras, sem entender o que o piloto queria dizer.
— Um caçador. – Dominic disse sério.
— Você eu notei na hora que é vampiro, mas e a mocinha? Presa sua? – Ele voltou a olhar pra frente.
Dominic se atirou pra cima do moço, mas foi contido pelo cinto de segurança.
— Pelo que notei não. – O piloto disse, frio.
— Ela não é presa minha! – Ele respondeu com repulsa. — Ela é minha namorada. – Ele murmurou.
— Sua namorada? – Ele virou pra trás.
Dominic rosnou baixo.
— É… até que ela é bonitinha. – O moço riu ironicamente.
Bufei e revirei os olhos.
— Quer, por favor, nos respeitar? – Eu pedi delicadamente.
— Tudo bem, mas só por que você pediu, minha gracinha. – Ele disse; havia malicia em sua voz.
O moço foi fazendo gracinhas até pousarmos em Ohio, mas preferi ficar quieta. Dominic não se continha e ficava rosnando baixo quase o tempo todo.
Agradecemos o piloto estranho e ele se foi. Peguei meu celular nas mãos, trêmulas com o frio. Dominic me viu tremer e me abraçou. Pude sentir seu corpo frio.
— Dominic, por que estou sentindo você tão frio? – Eu murmurei.
— Sua genética humana deve estar predominante. – Ele explicou tranquilo.
— Mas eu sentia você menos frio do que agora, mesmo antes de ser transformada. – Me arrepiei com o frio.
— Deve ser por causa do frio daqui. – Ele observou a cidade ao redor.
Torci a face e vesti o casaco grosso. Me encolhi toda, meti as mãos nos bolsos. Não havia jeito de me aquecer! Eu tremia e tremia. Dominic me abraçou, mas só diminuía mais minha temperatura corpórea.
— Dominic… eu… estou a b-beira de uma hip-hipotermia! – Meus dentes batiam de frio.
— Ai, Emily! – Ele se preocupou. — Não sei mais o que fazer por você!
Chegamos no ponto de ônibus, me sentei no banco e abri minha bolsa. Procurei mais alguma coisa que eu pudesse vestir, mas não encontrei. Eu olhei pras pessoas e notei que só eu estava cheia de roupas grossas e pesadas. As pessoas vestiam camisas de mangas compridas e calças jeans, nada de muito pesado. No máximo um casaco de malha leve.
— Emy, não é possível que você esteja sentindo tanto frio! – Dominic se sentou ao meu lado.
— Mas estou! Sinto na pele dez graus negativos! – Eu tremia.
Dominic olhou para um lado e me cutucou. Olhei para onde ele estava olhando, um termômetro que marcava quinze graus.
— Acho melhor nos hospedarmos em algum hotel aqui. – Ele olhou ao redor, procurando alguma coisa.
— Não, Dominic! Eu tenho que ver minha mãe e meu pai! – Eu insisti.
— Sabe onde fica a casa da sua mãe? – Ele murmurou.
— Não. – Murmurei timidamente.
— E como é que você me traz em um lugar onde você nem sabe onde fica?! – Ele sussurrou nervosamente.
— Vou ligar pra ela. – Peguei o celular.
Digitei o telefone da minha mãe e esperei o tom de chamada. Depois de duas tentativas, minha mãe atendeu.
— Mãe! Finalmente você atendeu. – Eu escandalizei.
— Filha! Que bom falar com você! – Ela estava feliz. — Desculpe a demora. Estava arrumando umas coisas aqui.
— Mãe, escuta. Eu e Dominic estamos aqui, em Ohio, mas não fazemos nem ideia de onde estamos! Pode vir nos buscar? – Eu fixei os olhos em um restaurante à minha frente.
Minha mãe falou alguma coisa, mas não consegui prestar atenção. Estava distraída observando um moço que era muito parecido com meu pai.
— Mãe, o papai está em casa? – Continuei olhando pra o moço.
— Não, ele saiu. Está no centro da cidade. – Ela respondeu.
— Acho que o achei aqui. – Eu ri.
Andei mais alguns passos à frente e reconheci meu pai de longe.
— Pai! – Chamei.
Ele se virou para mim e pareceu não acreditar no que estava vendo.
— Emy? – Ele andou até mim.
— Pai! Que saudades! – Abracei-o forte.
— Emily! Você cresceu tanto! – Ele me abraçou bem forte.
Eu ainda tremia de frio.
— Você está bem, filha? – Ele se afastou de mim.
Dominic se aproximou de nós.
— Ela está à beira de uma hipotermia. – Ele riu e me abraçou.
— Vamos pra casa. Você precisa se aquecer. – Meu pai praticamente me arrancou do abraço de Dominic.
Olhei meu pai de canto de olho, ele estava sério. Entramos em um carro preto, meu pai nos levou até a casa dele, que podia se chamar de minha. Chegamos diante de uma casinha pequena, de dois andares, toda branca.
Entrei na casa, Dominic veio atrás de mim e meu pai foi estacionar o carro.
— Emily! – Minha mãe correu até mim e me abraçou.
— Mãe! Senti tanto a sua falta! – Eu a abracei forte.
— Ah, minha Emy! Você está tão diferente! – Ela mexeu no meu cabelo.
— Mesmo? – Eu não notava diferença em mim.
— Mas continua linda como sempre foi. – Ela afagou meu rosto.
— Olá, senhora Anders! – Dominic cumprimentou minha mãe.
— Olá, Dominic. – Ela sorriu.
Sentei-me no sofá da sala, Dominic sentou-se ao meu lado. Meu pai entrou e Dominic soltou a mão que me segurava.
— Já venho com um casaco pra você, filha. – Ele encarou Dominic e sorriu pra mim.
Ele subiu as escadas; notei que Dominic estava tenso, por que não conseguia parar quieto com as pernas.
— Calma. Ele ainda não acostumou, mas se você conseguiu derreter o coração da minha mãe, fará o mesmo com meu pai. – Sorri para ele.
— Pega, Emily. – Meu pai tocou o casaco pra mim.
Levantei-me rapidamente e tentei pegar o casaco, mas alguém pegou antes de mim.
— O que está acontecendo com você? – Dominic murmurou.
— Eu também não sei. – Peguei o casaco das mãos dele.
Vesti o casaco preto da minha mãe e meti as mãos nos bolsos. Elas não aqueciam de jeito nenhum! Mesmo depois de muito tempo tentando aquecer as mãos elas permaneciam frias.
— Filha, você se sente bem? – Minha mãe se sentou ao meu lado.
— Sim, mãe. Só estou com muito frio. – Olhei para o termômetro na parede, que marcava cinco graus.
— O tempo varia muito aqui, principalmente no inverno. – Ela passou um braço sobre meus ombros.
— É… eu notei. – Dei de ombros.
— Vou fazer um chocolate quente pra você. – Ela se levantou. — Quer também, Dominic?
— Não, obrigado, senhora Anders. – Ele sorriu.
Minha mãe sorriu e foi pra cozinha. Meu pai se sentou no pequeno espaço que havia entre mim e Dominic; por pouco não se sentou no meu colo!
— Mas e então, Emily. O que me conta de novo? Como anda a Pensilvânia? – Ele bateu as palmas das mãos, fazendo um ruído ensurdecedor.
Me encolhi quando ele bateu as mãos.
— Nada de novo, tudo na mesma, sem novidades. – Respondi enfadada.
— Ah. – Ele desfez o sorriso que levava nos lábios.
O silêncio pairou entre nós. Até que minha mãe o rompeu.
— Seu chocolate, filha. Cuidado. – Ela me entregou nas mãos. — Está quente.
Peguei cautelosamente a caneca nas mãos. Dei, cuidadosamente, o primeiro gole, sempre cuidando pra não queimar a boca. Notei algo estranho: o chocolate nem estava tão quente. Estava morno. Continuei tomando normalmente, até que terminei alguns segundos depois.
Minha mãe ainda tomava o dela, estava recém na metade. Eu ri baixo.
— Já acabou? – Ela me olhou com surpresa.
Eu ri baixo. Subi as escadas pra explorar a casa. Parei no meio dos degraus e me virei para trás. Dominic permanecia sentado no sofá, fitando-me com seus olhos amáveis e ferventes. Com um pensamento convidei-o a me seguir. De imediato ele se levantou e me seguiu escada a cima.
Creio que no andar de cima estava mais quente; minhas mãos começavam a se aquecer aos poucos, nada muito satisfatório. Dominic caminhava ao meu lado, me observando com os cantos dos olhos, sério.
Bastou que eu me distraísse por um segundo, olhando para uma foto da minha infância, e ele me prensou contra a parede, trancando minha passagem com seus braços fortes, cobertos por um casaco preto.
Encarei-o apavorada, sem reação.
— Tem que ficar mais atenta. – Ele aproximou seu rosto do meu pescoço e sussurrou.
Assenti nervosamente com a cabeça, emudecida de medo. Me acalmei rapidamente ao encarar aqueles olhos brandos, leves e prateados penetrando os meus olhos. Continuei enrijecida, encostada na parede, presa pelo corpo dele. Ele aproximou seu rosto do meu e tentou me beijar, mas meu pai o interrompeu com um pigarro óbvio.
Dominic se afastou rapidamente de mim e baixou a cabeça, tentando esconder um pouco de vergonha.
— Pretendem ficar? – Meu pai encarou as costas de Dominic, que ainda tentava se reconstruir depois do susto que tomou.
— Não, pai. Voltamos ainda hoje. – Respondi convicta.
— Tudo bem, acho melhor serem rápidos. – Meu pai encarou o relógio de pulso. — O próximo voo sai daqui à uma hora. Até chegar ao aeroporto, comprar as passagens e pegar o avião vai demorar um pouco. – Ele continuava sério.
— Tudo bem, pai. Vou me despedir da mamãe e já saímos daqui. Pode ser? – Lancei um olhar doce para ele.
Ele assentiu com a cabeça uma só vez e entrou em um dos quartos do corredor. Puxei Dominic pela mão e desci as escadas.
— Mãe, nós temos que ir. – Eu gritei para ela.
— Mas já? – Ela choramingou. — Fiquei mais um pouquinho.
— Não dá, mãe. Está tarde. – Eu sorri para ela.
— Tudo bem, mas eu faço questão de ir com vocês até o aeroporto. – Ela sorriu.
— Tudo bem! – Eu ri baixo.
Meu pai desceu as escadas e passou por nós.
— Vamos lá. Vocês não podem perder o voo. – Ele continuava carrancudo.
Dominic enrolou seu braço na minha cintura.
— Acho que eu não deveria ter entrado. – Ele sussurrou.
— Claro que deveria, Dominic. Não seja bobo. Minha mãe começou a gostar de você. – Murmurei para ele.
— Ok, mas não posso conviver bem com a sua família se não me dou bem com o líder dela. – Ele continuava sibilando, quase inaudível.
Ouvi buzinas vindas da rua; meu pai estava quase morrendo de pressa. Minha mãe correu pra rua com passinhos ligeiros. Puxei Dominic pela mão, atrás da minha mãe.
Minha mãe trancou a casa e entrou no carro. Entramos eu e Dominic no banco de trás. Meu pai ligou o carro e acelerou ao máximo, os pneus cantaram alto!
— Querido! Pra quê tanta pressa? – Ela murmurou.
— Pai, calma, por favor. O voo pode esperar. Nunca sai na hora prevista.
— Desculpem-me estou um pouco nervoso. – Ele falou baixo.
Dominic cruzou seus dedos nos meus e me olhou fundo nos olhos, como quem diz algo. Eu sorri, entendendo o que ele faria. Ele fechou os olhos e os abriu vagarosamente, focado no vazio, com os olhos baixos. Meu pai aos poucos se acalmava. Dominic era expert no que fazia.
Chegamos ao aeroporto, descemos do carro; papai e Dominic ajudaram com as malas. Compramos as passagens e esperamos o avião chegar. Não demorou muito para que nosso voo chegasse. Embarcamos primeiro as bagagens e, depois, entramos no avião logo que nos despedimos dos meus pais.
Sentamos ao lado da janela; eu junto a ela e Dominic ao lado do corredor.
— Seu pai tem medo de perder a garotinha dele. – Ele murmurou enquanto acariciava minha mão esquerda.
— Ah, ótimo! – Bufei. — Vou ter que convencer meu pai agora. Como se minha mãe já não bastasse. – Revirei os olhos.
Ele riu baixo. Encarei-o de um modo grotesco. Ele continuou rindo.
— Dominic, por que você ri?! Isso não tem graça! É difícil, sabia? – Reclamei.
— Me desculpe, Emily. – Ele continuava sorrindo, mas já não ria como antes.
Me rendi e sorri para ele. Do nada, seu sorriso se desfez e uma expressão pavorosa tomou seu rosto.
— Dominic, o que houve? – Murmurei.
Ele não disse nada. Só olhou ao redor e me abraçou forte.
— Elas estão perto. – Ele sussurrou. — Posso ouvir os pensamentos delas. – Ele continuou apavorado.
— Quem? – Sussurrei.
— Nancy e Ella. – Ele sibilou tão baixo que mal pude escutar.
Quando ouvi o nome da loira e o da ruiva, meu corpo estremeceu e eu me senti gelada. Abracei-me fortemente a Dominic e fechei os olhos, temendo o pior.
— Fique calma, eu estou com você. – Ele beijou minha testa.
— Tenho medo de perder você. – Murmurei quase chorando.
Ele ergueu meu rosto e beijou de leve meus lábios. Quando seus lábios tocaram os meus, vi em minha mente um rápido flash embaçado de Nancy. Me afastei rapidamente e o encarei apavorada.
— Conseguiu entender o que era? – Ele murmurou.
— Não deu pra ver… estava muito embaçado. – Espremi os olhos tentando reconhecer a imagem.
Ele baixou os olhos e sorriu timidamente. Eu sorri, meio sem jeito. Ele ergueu os olhos e me beijou rápida e intensamente.  Tive um pouco de dificuldade de me concentrar na imagem que vi, mas, pelo que consegui ver, ela estava me esperando em um dos portões do aeroporto.
Soltei Dominic rapidamente e tranquei a respiração, dominada pelo temor. Minhas lágrimas não demoraram a verter. Ele me abraçou novamente, forte como antes.
— Não vou deixar que ela encoste em um só fiozinho do seu cabelo, Emily.  – Ele sussurrou enquanto me abraçava forte.
— Eu não quero morrer, Dominic. – Eu disse baixo.
— Você não vai! – Ele se alterou.
— Dominic, nós vimos Nancy, mas… e Ella? – Sequei minhas lágrimas com as mangas do casaco.
— Está aqui. Não vai demorar muito pra aparecer. São muitos pensamentos pra ler… Ella possui o dom da metamorfose. Pode estar transformada em qualquer pessoa. – Ele explicou.
Não consegui dizer nada. Só continuei abraçada nele. A comissária de bordo estacionou o carrinho ao nosso lado.
— Olá. Desejam alguma coisa? – A moça mulata esboçava um sorriso encantador.
— Não, obrigada. – Respondi.
— Emy, você precisa comer. – Dominic murmurou.
Fiz uma careta e sacudi a cabeça.
— Um saquinho de amendoins, que seja. – A moça insistiu.
Olhei para ela; ela parecia ansiosa para que eu pegasse os amendoins, então os peguei. Sorri de um modo forçado. A moça sorriu e se retirou para o fundo do avião.
Fiquei brincando com os amendoins. Derramei o saco no chão quando o avião se agitou e algo caiu na sala da comissária de bordo.
— Atenção, senhores passageiros. Tivemos uma turbulência inesperada. Está tudo sob controle. Sintam-se a vontade e tenham uma boa viagem. – O piloto informou pelo rádio.
A comissária andou até nós novamente, com um sorriso forçado.
— Está tudo bem? – Ela nos fitou com olhos profundos e negros.
Dominic arreganhou os dentes e se lançou contra ela. Eu o segurei.
— Dominic! – Ralhei com ele.
— Eu sabia que você ia aparecer, ruiva! – Ele disse em tom ameaçador, alarmando a todos dentro do avião.
— Senhor, por favor, mantenha-se calmo. – Ela o fitou com olhos inexpressivos.
Dominic enrijeceu-se, fitando-a de um modo absurdo. Ele se recostou na poltrona, ainda fitando a comissária de bordo.
Ela o encarou estranhamente e se retirou. Dominic estava arfante, meio desesperado. Nunca o tinha visto assim, a não ser quando eu corri algum risco.
— Era ela. Tenho certeza. Aqueles pensamentos não me enganam. – Ele continuava tenso, mas já estava mais calmo.
— Acalme-se Dominic. – Eu tentei. — Você pode ter ouvido os pensamentos dela quando ela estava perto da aeromoça.
— Eu ouvi… era ela, sim! – Ele insistiu.
— Olhe para mim. – Eu disse docemente.
Ele, feito criança, recusou-se a direcionar os olhos infinitos para mim.
— Dominic. – Eu o chamei novamente.
Ele olhou com os cantos dos olhos para mim.
— Se você está dizendo, eu acredito em você. – Eu sibilei. — Se acalme. – Eu sorri e segurei seu rosto com ambas as mãos.
Ele pareceu acalmar-se. Ficou mais tranquilo, suspirou e desarmou a postura rígida. Ele me abraçou forte.
— Quando se trata de sua proteção, todos são suspeitos para mim. – Ele sussurrou em meu pescoço, fazendo-me arrepiar.
— Fique calmo. Sei que estou segura com você. – Eu murmurei.
Durante o voo o sono me tomou, acabei adormecendo, mas apenas por alguns minutos. Isso se sucedeu por algumas vezes até chegarmos, pela madrugada, ao aeroporto. 

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