domingo, 1 de abril de 2012

Terça-feira, 23 de abril

Só acordei no outro dia pela manhã. Olhei ao meu redor, não vi ninguém. Acho que era tudo um sonho. Olhei meu relógio: 08h25min. Ajeitei os cabelos e me levantei da cama. Parei na frente da janela e suspirei. Era feriado, não teria aula, então estava tudo muito bem.
— Que sonho maravilhoso… – Suspirei novamente.
— O que sonhou? – Ouvi uma voz familiar.
Sorri ao reconhecê-la.
— Não sonhei. Foi real. – Virei-me para ele. — Achei que tinha ido embora.
— Eu faria isso? Você prometeu que ia dormir; eu prometi que, se você dormisse, eu ficaria com você. E você dormiu, então fiquei. – Ele sorriu, sentando-se em minha cama.
Eu ri baixo e corri pro banheiro. Arrumei o cabelo e escovei os dentes – não gostaria de passar vergonha perto de Dominic.
Voltei pro quarto e sentei na cama junto dele.
— Como passou a noite? – Ele sorriu.
— Bem… e você? – Retribuí o sorriso.
— É… eu não dormi, mas passei bem à noite ouvindo seus pensamentos enquanto dormia. – Ele riu baixinho.
— Ei! Isso é invasão de privacidade! – Eu ri também.
— Ok. Perdoe-me. – Ele me abraçou e beijou minha testa.
— Imagina. Estou brincando com você. – Eu sorri.
Levantamos da cama e fomos até a cozinha, meus pais ainda estavam dormindo, o que facilitava a passagem de Dominic de um cômodo para outro.
— Você come? – Eu ri abrindo a porta do armário e pegando uma tigela.
Ele riu e acenou negativamente com a cabeça.
— A não ser que você queira me dar seu pescoço. – Ele virou-se de costas e fitou um quadro.
Travei, o pote caiu da minha mão. Mal pisquei e Dominic já o tinha segurado.
— Eu estava brincando. – Ele me entregou o pote e sussurrou. — Vê se toma cuidado. Seus pais não podem acordar. – Ele sorriu torto.
Ele se afastou de mim e sentou em uma cadeira perto da bancada. Suspirei e sentei a sua frente.
Enquanto eu comia, ele me encarava, desviava o olhar de vez em quando, mas logo olhava para mim novamente.
— O que foi? – Eu o encarei também.
— Seus olhos… São lindos. – Ele disse calmamente.
— Ah, sim. – Eu ri e revirei os olhos.
Terminei de comer e ouvi minha mãe acordar no andar de cima.
— Droga! Minha mãe acordou. Acho melhor você ir. – Eu levantei-me rapidamente.
Dominic se levantou rápido e andou até a porta, mas voltou.
— Sabe que se precisar de mim é só pensar. – Ele beijou meu pescoço, o que me deixou meio receosa, por que, que eu saiba, os vampiros adoram pescoços.
Mal pisquei os olhos e ele já sumira; agora podia agir com naturalidade, pois eu já sabia de tudo, ou achava que sabia.
— Bom dia Emily. – Minha mãe veio descendo as escadas e amarrando a faixa do roupão na cintura. — O que faz de pé tão cedo? – Ela sorriu e abriu as janelas.
— Digamos que a cama me atirou pra fora hoje. – Eu ri. — Cansei de ficar na cama. – Realmente tinha cansado de ficar na cama, mas não era por causa nenhuma; com Dominic do meu lado, o que eu faria numa cama?
— Ok. Pode me ajudar com o café enquanto seu pai não levanta? – Ela jogou uma caixa de cereais, fechada, para mim.
— Claro. – Apanhei a caixa no ar.
Ajudei minha mãe com o café da manhã, o que foi bem rápido. Com quatro mãos e duas cabeças ficava tudo mais prático.
— Bom dia minhas duas moças preferidas! – Meu pai desceu as escadas, cheio de espontaneidade.
— Bom dia, senhor bom-humor! O que te deu pra acordar assim? – Minha mãe riu e beijou-lhe rapidamente os lábios.
— Ah, acordei feliz hoje. Parece que uma atmosfera menos densa atingiu esse ar. – Ele suspirava ao final de cada frase.
— Engraçado, também me senti assim. Vejo que você também está mais radiante hoje, Emily. – Minha mãe sorriu.
— Sim, estou. Eu estive pensando em coisas que… me deixaram feliz ontem. – Eu murmurei, tímida.
— Hmm… Que coisas, eu posso saber? – Ela pôs as tigelas e as canecas em cada lugar da mesa onde sentaríamos.
— Ok. Minhas férias de abril. As melhores que eu já tive! – Eu me joguei na cadeira, onde eu iria sentar para o desjejum.
— Foram realmente maravilhosas. – Meu pai suspirou, mas ao olhar para minha mãe fechou a cara.
— É… foram. – Ela não estava muito animada.
Depois de pensar um pouco, lembrei que as férias foram um pesadelo para minha mãe. Logo que voltamos, ela teve um trauma muito grande. Perder o vovô Ben não foi fácil para nós, para nenhum de nós.
— Ah, mãe. Desculpe-me. – Me decepcionei comigo mesma; precisava de Dominic pra dar uma reanimada no clima.
— Imagina, minha querida. Já passou. – Ela limpou as lágrimas e forçou um sorriso.
— Tem certeza que está bem, Lisa? – Meu pai a abraçou.
— Sim, sim. Está, sim. – Ela respondeu rapidamente. — Vamos comer, não é? – Ela se sentou e serviu cereal na tigela a sua frente.
Nos servimos em seguida e comemos. Minha mãe deixou metade do cereal na tigela e subiu as escadas correndo. Meu pai largou tudo e subiu atrás dela. Suspirei, e pensei: “Definitivamente, eu sou uma idiota”!
Meu celular tocou, corri para atendê-lo.
— Alô? – Atendi e desci as escadas.
— Para de pensar isso! Você não tem culpa de nada! Você não teve a intenção. – Dominic já sabia de tudo e só me ligou por que meus pais não gostavam dele.
— Mas você viu o estado que minha mãe ficou?! – Eu sussurrei gritando, se é que isso existe.
— Eu sinto o que ela sente agora, Emily. Ela está muito triste, mas você não tem nada a ver com isso. Ela não está nem lembrando do que você disse. – Ele realmente parecia amargurado.
— Preciso de você aqui. Disse que pode mudar os sentimentos das pessoas. Preciso de você aqui. – Eu estava quase chorando.
— Emily, calma. Eu não posso nem ousar pensar que posso aparecer perto de você. Ela vai querer me arrancar os membros se eu fizer isso. – Ele se amargurava cada vez mais, sabia que eu e ele sentíamos a mesma coisa.
— Ok, ok. Eu vou tentar me acalmar. Não quero te ver tão triste quanto eu estou e… você não sai da minha cabeça, então vou dar um jeito de me aquietar. – Eu suspirei.
Houve um silêncio.
— Dominic? – Achei que a ligação havia caído.
— Shh. Estou tentando acalmar sua mãe. – Ele murmurou.
— Mas você nem está olhando pra ela! – Eu achei estranho.
— Posso fazer isso com os pensamentos. É mais difícil, mas consigo, com um pouco de esforço. – Sua voz era de concentração.
Tentei ouvir minha mãe, ela realmente estava ficando mais calma. Notei pelo que meu pai dizia. Ele dizia para que ela se acalmasse, que isso era natural. Pude ouvi-la soluçar de tanto chorar. Conforme ela ficava mais calma, eu ficava mais calma também.
— Você está tentando me acalmar ao mesmo tempo em que acalma minha mãe? – Perguntei, meio sem jeito.
— Está funcionando? – Ele estava sem jeito também.
— Sim, está. – Eu ri baixo. — Obrigada. – Agradeci; senti meu rosto corar e o sangue subir todo pelo pescoço até a cabeça.
— Não precisa agradecer. E muito menos ficar tão rubra. ­– Olhei ao meu redor, mas desta vez ele não estava lá.
— Como sabe? – Desconfiei.
— Estou sentindo minha cabeça mais quente do que o normal. Estou quase diretamente ligado a você. – Ele disse, sua voz era sedutora.
— Ah, sim. Ok. Eu, particularmente, acho uma perda de tempo que esteja quase o tempo todo em uma cabecinha que pensa tão pequeno como a minha. – Eu ri.
— Imagina. – Ele riu.
— Tudo bem. Eu vou desligar. Vou ver como minha mãe está. – Eu murmurei.
— Ok. Tenha um bom dia, minha deusa. – Ele riu.
— Para com isso! Bom dia pra você também. Manda um beijo pra Ângela. – Desliguei.
Fui pé por pé até o quarto da minha mãe. Ela estava deitada sobre as pernas de meu pai, enquanto ele afagava os cabelos dela.
— Mãe? Está tudo bem? – Eu murmurei.
— Sim, Emily. Está sim. – Ela disse soluçando.
— Que bom. – Me aproximei. — Peço desculpas por… aquilo.
— Não. Não foi culpa sua, minha filha. – Ela afagou minha mão.
— Acho melhor eu descer. Vou limpar a mesa. – Sorri.
Desci as escadas, enrolando os cabelos desgrenhados. Rapidamente ajuntei as tigelas, joguei as sobras na lata de lixo e lavei-as. Sequei as mãos no pano de prato e andei até a sala. Suspirei e sentei no sofá. Sabia que Dominic estava monitorando meus pensamentos então mandei uma “mensagem”: “Queria ver você. Mal o tempo passou e já estou sentindo sua falta. Sei que pode me ouvir e recomendo: sai da minha mente ou verá coisas muito ruins.”, pensei e ri de mim mesma.
Meu celular tocou, corri para ver o que era. Uma mensagem de texto.

“Eu também sinto sua falta, mas não quero causar mais transtornos. Beijos, Dominic”.

Eu li a mensagem e ri alto. Levantei-me do sofá e subi as escadas correndo. Entrei no quarto da minha mãe, ela estava dormindo.
— Pai… posso sair? Preciso tomar um ar. – Dei os ombros.
— Sim, sim. Vá, mas não chegue tarde, tudo bem? – Ele continuava a acariciar os cabelos de minha mãe.
— Ok. – Respondi rapidamente e disparei pela escada.
Ao tocar na maçaneta notei que não estava descentemente vestida pra sair. Voltei correndo pro quarto e montei meu visual básico: jeans e blusa de mangas curtas. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo, deixando a franja solta, mas logo desisti. Resolvi prender. Não gostei e soltei novamente. Calcei os sapatos e corri pra porta.
Logo que saí, fiquei quase cega, por conta do sol forte na rua, mas logo me acostumei. Minha pele ficava cada vez mais quente, meus olhos só viam luz e as sombras das árvores enormes.
— Você é impossível, não é… – Já reconheci aquela voz divina, parado na sombra.
— Ninguém me segura. – Eu ri.
Abracei-o como forma de cumprimento. Senti algo diferente naquele gesto. Foi um abraço tão confortante, tão aparador; eu podia confiar que estava segura naqueles braços.
— E então, sua mãe está melhor? – Ele me soltou e começou a caminhar devagar.
— Sim, está. – Acompanhei-o. – Obrigada pela ajuda. – Sorri timidamente.
— Não me agradeça. Isso é o que eu tenho que fazer. Prometi que te ajudaria desde o primeiro contato com seus pensamentos. – Ele fitou o chão sob seus pés.
— Sério? – Abismei-me. — O que você sentiu? Me explica isso, agora tudo faz mais sentido. – pisquei os olhos rapidamente e chacoalhei a cabeça.
— Eu estava tocando, ouvia críticas e elogios na mente das pessoas. Quando você chegou no salão, quase parei de tocar. Minhas mãos simplesmente… afrouxaram nas teclas. Vasculhei por tantos pensamentos quem era essa pessoa que fazia os meus próprios pensamentos se perderem, mas só consegui encontrar quando parei de tocar. – Ele encarou o vazio.
— Nossa. Desculpe. Não era minha intenção fazer você ficar… desse jeito. – Eu procurava palavras.
— Não! Você não me deve desculpas, Emily. Quando você veio me cumprimentar, quando segurou minha mão… – Ele riu baixo. — Lembro que estava nervosa, algo parecia te abalar. Senti sua mão tremer de leve. Desde então nunca mais esqueci daquele toque tão sensível. – Ele olhou timidamente para mim.
Fiquei muda, sem poder falar nada. Só pude sorrir, meio torto.
— Quando se afastou, pude sentir uma coisa estranha vinda de você. Senti o meu estômago se revirar. – Ele espremeu os olhos prateados.
— Ahm. – Fiquei ainda mais tímida; o que ele sentira, eu sentira também.
— Você também sentiu isso, não foi? – Ele me olhou e riu.
Ele sabia da minha resposta, mas parece que fazia por tortura!
— Você é um garoto muito mau! – Eu ri e bati no braço dele.
Ele rosnou baixo, o que fez eu me afastar. Comecei a tremer. Aquele grunhido, mesmo que baixo, me lembrava uma das cenas mais horríveis da minha vida, o momento que eu estive mais desamparada.
— Acalme-se. Foi brincadeira. – Ele estava ao meu lado, com um braço ao redor da minha cintura.
Suspirei.
— Por favor, não faça isso. Ou avise quando não for sério. – Repousei a mão sobre o peito, senti meu coração disparar.
— Ok. Perdoe-me. – Ele ficou sério, seus ares eram de preocupação.
Continuamos andando e conversando. Sentamos num banco de uma praça, cheia de árvores e ar puro.
— Como está Ângela? Faz tempo que não falo com ela. – Fitei as árvores ao meu redor.
— Está ótima! Mandou-lhe lembranças. – Ele sorriu.
— E seus pais? Estão bem? – Eu continuei fitando as árvores.
Ele não respondeu. Estava mudo, de cabeça baixa, encarando o chão, sem nenhuma expressão.
— Dominic? O que houve? – Toquei seu ombro.
— Nada. Está tudo bem. Só estava… pensando em algumas coisas. – Ele sorriu forçado.
— Não, não está tudo bem, não. Você não sorri desse jeito se está tudo bem. – Fitei-o nos olhos.
— Emily, Está tudo bem sim. – Ele me fitou. — Fique calma. – Provavelmente estava usando seu dom de controlar as emoções das pessoas.
Desviei os olhos.
— Diga logo o que houve. – Me levantei.
— Tudo bem. – Ele se levantou. — Ângela não está tão bem como eu pensei que estivesse.
Senti meu coração pulsar uma única vez e depois parar.
— Hoje, pela manhã, ela saiu pra caçar. E agora eu… capturei os pensamentos dela e… ela foi pega por… um deles. Um desgarrado, como ele se denomina. – Ele estava tenso.
— Desgarrado?! Ainda tem mais um?! – Fiquei nervosa.
— Pelo que sei, ele não é mais forte que Roney, mas os auspícios ajudam bastante. – Ele encarou o chão mais uma vez, talvez procurando alguma coisa.
— E ela está bem? – Eu murmurei.
— Sim. Não está sozinha. Tem mais um com ela. Um garoto. Ela está tentando convencer o outro sombrio a deixá-los ir. – Ele me olhou.
— E…?
— Não. Ela está querendo usar a força. E ela é capaz disso. Sua principal habilidade pode fazer as Muralhas da China cair com um soco. – Ele riu imponente.
Parecia se orgulhar da habilidade da irmã. Ele grunhiu baixo de súbito.
— Tenho que ir. – Seu sorriso se desfez.
— Espera! – De nada adiantou eu falar, ele já havia sumido.
Praguejei e corri para casa. Entrei rapidamente, passei os olhos sobre um bilhete sobre a mesa de centro da sala dizendo que meus pais haviam saído e subi as escadas. Me atirei em cima da cama e fiquei encarando o celular, esperando alguma resposta.
Passaram-se minutos e horas, e nada de Dominic enviar mensagens ou ligar. Já era noite. Levantei-me e desci as escadas correndo. Minha mãe chegou logo que cheguei na cozinha.
— Emily. Há quanto tempo está em casa? – Ela pôs as compras sobre o balcão da cozinha.
— Faz… algum tempo. – Eu disse desanimada.
— Me ajude compras, por favor. – Ela apontou com o polegar para o carro.
Corri pro carro, peguei as compras nos braços, mas não entrei. Ouvi um ruído no meio das árvores. Fiquei parada, encarando as árvores. Quando vi dois pontos vermelhos reluzirem das sombras corri para dentro de casa. Joguei as compras sobre o balcão e corri pra fora novamente. Corri desesperada pro meio das árvores.
— Dominic! – Eu gritei.
— Não. Sou eu, Derick. – Ele me agarrou pelo braço.
Estava muito escuro e eu já ia me embrenhar mata a dentro, sem saber pra onde ir.
— Ah, Derick. O que faz aqui? – Desanimei.
— Sabe muito bem o que eu estou fazendo aqui! – Ele esbravejou sussurrando. — Por que o Dominic disparou pra longe de você hoje mais cedo? – Ele já sabia o que tinha acontecido.
— O desgarrado…? – Não tinha muita certeza.
— Nem o Roney lembrava desse cara! Ele queria fazer bagunça, não estava nem aí pras ordens dele, então foi expulso do bando. – Ele explicou.
— Hmm. E… ele é… muito mau? – Torci para que ele dissesse não.
— Não sei. Faz tempo que não o via, ele pode ter mudado, mas ele não costumava ser. Só agia inteligentemente e acabava com você por dentro, consumia sua alma em um segundo, o que parecia uma eternidade. – Ele riu baixo.
Estremeci de cima a baixo. Meu coração ficou acelerado.
— Nossa! Calma, Emily! Consigo escutar seu coração bater! Acho que ele está batendo um pouco mais rápido do que o normal. – Ele riu.
— Você fala como se isso fosse muito normal! Até parece! - Fiquei nervosa, mal conseguia falar.
— Ele já tentou me matar. Uma vez, mas não conseguiu, como pode ver. – Seu tom de voz era autoritário.
Pensei em dizer que lamentava pelo fracasso do desgarrado, mas preferi silenciar e perguntar algo mais “criativo”.
— Quem é o outro que está com a Ângela? – Eu esperava que ele soubesse.
— Tem outro?! – Ele se abismou.
— Sim. Não sabia? – Eu me espantei.
— Claro que não! Não sou dono de altos auspícios, como o seu… queridinho lá. – Ele deu os ombros e revirou os olhos.
— Ei! Olha lá como fala! – Ergui a mão para dar um bofetão, mas me contive.
— Vai me bater? – Ele baixou a cabeça, mas manteve os olhos fixos em mim. — Tenta. – Ele mordeu o lábio inferior, exibindo as presas.
Meu maxilar travou, nem consegui dizer nada.
— Se quer mesmo saber dela, vá atrás e ajude-a a sair de lá. Ela não quer usar a força. – Encarei-o, tentando não me concentrar nos pontinhos vermelhos e reluzentes, que eram tão sedutores.
— Tem razão. Nem sei por que ainda estou aqui. – Ele desviou o olhar de mim.
Eu ri e andei até onde havia luz. Parei e me virei para trás, para checar se ele ainda estava ali. Como eu esperava, não estava mais.
Entrei e minha mãe me encarava com cara feia.
— O que foi? – Perguntei.
— Quebrou os ovos na pressa que você saiu, não sei pra quê. – Ela levantou o saco com os ovos quebrados.
— Ai, mãe. Desculpa! Achei ter visto… um bicho ali do lado. Corri pra ver, mas não era nada. – Tentei disfarçar.
— Tudo bem, seu prato está ali. – Ela apontou pro balcão do armário. — Ah! Seu telefone tocou.
Ouvi “seu telefone tocou” e disparei escada à cima atrás do celular. Peguei-o rapidamente. Havia uma mensagem.

“Emily, Andy está bem, viva, o melhor de tudo. Está acompanhada de um outro garoto. Ele está do nosso lado, pode ficar tranquila. Volto logo, com Ângela e o garoto. Se cuida.”

Suspirei e me atirei em cima da cama. Ouvi batidas na janela. Corri até ali para receber meu tão esperado Dominic, porém me decepcionei.
— Você é Emily Anders? – Uma garota estava pendurada na janela, pelos olhos pude ver o que ela era.
— Sim. Quem é você? – Eu me afastei.
Ela saltou pra dentro do meu quarto.
— Sou Katherine Feratto, irmã de Alexander, o garoto que está com a Andy. – Ela estava ofegante.
Era uma moça muito bonita, de pele clara, seus olhos eram prateados, mas diferente dos olhos de Ângela e Dominic. Tinha cabelos loiros e não era muito alta.
— E como ela está? – Me aproximei dela.
— Está segura. Tentando convencer Joseph a deixá-los ir. – Ela encarou o chão.
— O nome do desgarrado… é Joseph? – Aquele nome não me parecia estranho.
— Sim, o que tem? – Ela me olhou com olhos curiosos.
— Nada, não. Esse nome não me parece estranho. – Espremi os olhos, tentando pensar.
— Pode me ajudar? – Ela segurou minha mão. — Só, por favor, não conte a Dominic que você vai, se você for. Ele me mata se souber que te chamei pra ajudar.
— Claro! Pode deixar. Conte comigo. – Assenti.
— Ok. Pegue o que você achar de importante e vamos lá. – Ela já ia saindo pela janela.
— Agora?! – Dei um pulo pra trás.
— Sim! A vida dela, por assim dizer, não pode esperar! E nem a do meu irmão! Por favor, Emily! – Ela implorou.
— Ok. Vamos. Só preciso do meu celular e… da Rose Mary. – Mordi o lábio inferior.
Peguei o celular e liguei pra casa dos D’mitri.
— Alô? – Andrews atendeu.
— Andrews, é Emily. Preciso falar urgentemente com Rose Mary! – Eu estava afoita.
— Ok.
Esperei alguns instantes.
— Diga, minha querida. O que aconteceu? – Ela foi amorosa.
— Preciso da sua ajuda. Dominic me contou. Eu seu de tudo… o que vocês são. Preciso da sua habilidade de criar ilusões e só você tem! – Clamei.
Ela se calou.
— Tudo bem, estou indo. – Ela desligou.
Katherine andava de um lado para outro, nervosa.
— Temos que esperar Rose Mary chegar. Ela não vai demorar.
Ouvi uma batida na janela. Rose Mary jogava pedrinhas, pra não fazer escândalo.
— Vai pela porta. – Cochichei.
Ela sumiu e já estava no meu quarto.
— Nossa. Como fez isso? – Me impressionei.
— Sua mãe não me viu entrar. E se me viu, me viu invisível. – Ela sorriu. — Mas enfim, o que precisa que eu faça? – Ela sentou-se na cama.
— Crie uma ilusão que faça minha mãe pensar que estou em casa. Preciso sair. Agora. – Acrescentei.
— Tudo bem, mas… ela vai voltar? – Ela preocupou-se com a filha.
— Sim, Rose, pode acreditar. – Sorri para ela.
Ela assentiu uma vez com a cabeça e começou a agir. Kath me pegou facilmente nos braços e saltou pela janela.
— Como vamos chegar lá? – Olhei ao meu redor.
— Tenho um “As” na manga. – Ela piscou para mim.
Ela me abraçou e estávamos em um lugar completamente escuro. Havia algumas caixas e uma luz mortiça no fim do que parecia um corredor.
— Vem. – Ela me puxou pela mão.
Ouvi risos maldosos vindos de uma sala, quase oculta. Kath continuou me puxando pela mão e estávamos atrás de algumas caixas, na porta da sala. Pude ouvir a voz de Andy tentando amenizar a situação.
— Ang… – Quase gritei, mas fui impedida por Kath, que pôs a mão na minha boca.
— Shh. – Ela sibilou.
— Quem está aí? – Ouvi uma voz vinda dali.
Eu começava a tremer e suar frio, de tanto medo. Até que, de repente, alguém cobriu minha boca, vindo de trás de mim, e me arrastou para um canto.
Tentei gritar, mas minha boca estava coberta.
— Emily! O que faz aqui?! – Era Dominic, para meu alívio.
— Vim salvar a Ângela e não tente me impedir! – Sussurrei.
Ele me encarava sério, seus olhos reluziam no breu, levemente iluminados.
— Não adianta mesmo falar “não” pra você. – Ele estava rígido.
— Claro que não. – Concordei.
Ouvimos passos e nos agachamos. Creio que, por instinto, Dominic me abraçou forte, me protegendo de qualquer coisa que pudesse me atingir. Senti-me muito segura naquele abraço.
— Vamos, apareçam. Sei que vocês estão aí. E trouxeram uma amiguinha. – A voz começou a me parecer familiar.
Dominic grunhiu baixo.
A voz riu.
— Dominic, você não sabe se esconder, não é mesmo? – Ele caçoou.
Dominic me soltou e avançou no homem.
— Dominic! – Me levantei e corri até ele.
Com uma mão, Joseph segurava Dominic pelo pescoço e com a outra me segurava. O ar não passava pela minha garganta, eu estava começando a ficar tonta.
Katherine saltou sobre Joseph e agarrou-se no pescoço dele.
— Solta! – Ela grunhia.
Ouvi um estrondo na sala e, do nada, Ângela praticamente voou pra cima de nós e deu um soco em quem nos segurava. Ele foi arremessado contra a parede.
— Corram! Rapidinho! – Ângela dava leves empurrõezinhos nas nossas costas. — Eu fico pra soltar o Alex.
— Me deixa ficar com você! – Pedi.
— Não Emily, você vai. Eu fico. – Dominic disse cauteloso.
— Me prometa que você volta. – Abracei-o.
— Sim, eu prometo.
 — Eu não quero te perder! – A frase me escapou.
Afastei-me e segurei a mão de Kath, ainda olhando pra Dominic que corria pra dentro da sala onde Alex estava. E de repente, estávamos na mansão dos D’mitri.
— Fica aqui. Vou buscar os outros. – Ela abriu a porta para mim.
— Vê se volta. – Eu disse enquanto ela se afastava de mim.
Ela assentiu com a cabeça e sumiu.
— Emily! – Andrews correu na minha direção e me abraçou.
— Andrews! – Abracei-o fortemente.
— Como estão os outros? – Ele estava desesperado, me puxando pela mão para dentro da casa enorme.
— De acordo com Katherine, estão vindo e não demoram. – Expliquei.
Andrews fitou o chão e rosnou baixo com um sorriso imponente nos lábios.
— Eles estão acabando com Joseph! – Ele parecia muito satisfeito.
— Droga! Por que não me deixaram ficar! Eu queria ajudar! – Esbravejei.
— Acho bom que não tenha ficado. Você não ia gostar de ver essa cena. – Andrews murmurou.
Dei de ombros e me sentei no sofá. A porta se abriu, me levantei rapidamente. Katherine foi a primeira a entrar, seguida de outro garoto loiro, provavelmente Alexander, e Ângela.
— Andy! – Corri e a abracei.
Ela estava rígida.
— Emily, afaste-se. É melhor pra você. – Sua voz saíra baixa como, parecendo um estertor.
Olhei para seus olhos, suas íris estavam vermelhas.
— Ok. Entendi. – Afastei-me rapidamente.
Ela sorriu, meio frígida.
Faltava alguém ali.
— Onde está Dominic? – Andrews aproximou-se de nós.
Meu coração saltou do peito quando ele perguntou.
— Droga! Ele ficou! – Ângela soqueou a parede, que se deformou.
— Ângela, calma. Ele sabe se virar. – Andrews tentou acalmar a situação.
— Como você quer que eu fique calma, Andrews?! Ele está lá com aquele maníaco! Não vai saber se virar sozinho! – Ela começou a se desesperar.
— Katherine, volte lá! Por favor! Não o deixe lá! – Implorei.
Ela suspirou, parecendo cansada.
— Tudo bem, mas não sei até onde posso chegar no estado em que estou. – Ela estava arquejando.
— Tudo bem, mas tente. – Ângela segurou sua mão.
Logo, as duas sumiram. Eu estava mais afoita que Ângela e Andrews, mesmo que não aparentasse.
Sentei-me no chão e escondi o rosto entre os braços.
— Fique calma. Kath e Andy são ótimas parceiras. Seus dons se combinam muito. – Alexander sentou-se ao meu lado.
Olhei para ele, ele parecia tranquilo, confiava muito na irmã. Suspirei, meio desanimada, e olhei para o relógio. Eram por volta de 23h30min.
Ângela entrou rapidamente pela porta e seguida de Katherine, que ajudava Dominic a caminhar.
Levantei-me e corri até ele.
— Dominic! Você é louco?! – Agarrei seu rosto com ambas as mãos.
— Só queria me vingar daquele idiota. – Ele falava baixo.
Olhei pros seus olhos, estavam como os de Ângela, mas não me importei, pois sabia que, se ele quisesse, podia se controlar.
— Você poderia ter morrido. – Sussurrei.
— Só morro se você estiver distante de mim. – Ele sorriu de lábios cerrados.
Bufei e me afastei dele.
— O que você estava pensando em fazer, Dominic? – Andrews se aproximou dele.
— Só queria… matá-lo de uma vez por todas. – Ele disse irado, o maxilar travado, mal pronunciava as palavras.
— Ele é perigoso, você sabe disso. – Andrews não se alterou, continuou calmo.
— Sim, eu sei, mas não prometo que não vou tentar outra vez. – Dominic começava a se acalmar.
— Nunca mais repita isso, ouviu! – Encarei-o fundo nos olhos.
Ele desviou o olhar.
— Emy, eu acho melhor você voltar pra casa. Rose Mary deve estar preocupada. – Katherine sugeriu.
Hesitei um pouco, olhando pra Dominic.
— Claro, vamos. – Dei as costas e segurei a mão de Kath.
De repente, estávamos em minha casa. As luzes todas apagadas, minha janela fechada. Kath me pegou nos braços e saltou sobre a janela, que se abriu do nada.
— Por que demoraram tanto? – Rose Mary estava afoita.
— Está tudo bem, Rose. Ângela e Dominic estão bem. Fique calma. – Sorri para ela, meio forçado.
Ela suspirou, aliviada, e me abraçou forte.
— Obrigada, Emily. Não sei como agradecer. – Ela sussurrou.
— Já me fez um grande favor esta noite.
Afastei-me alguns passos dela.
— Boa noite, Emily. Se cuida. Se precisar, chame. – Katherine me abraçou. — E muito obrigada! Não sei o que eu faria sem você.
— Que é isso, Kath. Foi um prazer conhecer você. – Eu ri.
Nos afastamos. Rose e Kath saltaram a janela e sumiram. Sentei-me em minha cama, mas logo me levantei. Andei pé por pé até o banheiro e tomei um banho rápido. Voltei silenciosamente pro quarto e me deitei, mas não consegui dormir. Chamei por Dominic através de meu pensamento, porém não obtive resposta. Eu estava com medo, mas, mesmo assim, Dominic não aparecia.
— Por favor! – Sussurrei, a ponto de chorar.
— Não precisa chorar, Emily. – Ouvi uma voz, mas não era ele.
Levantei-me velozmente da cama e acendi a luz do abajur. Meu sangue ferveu ao ver quem era.
— Fique calma. Não pretendo lhe fazer mal. Só vim por que ouvi seu choro. – Roney se sentou na minha cama e pegou meu travesseiro.
— Não me interessa por que você veio aqui. Só quero que vá embora. – Minha mandíbula travou.
Ele escorou o rosto no meu travesseiro e respirou profundamente.
— Sei que não confia em mim, mas vim lhe fazer uma proposta. – Ele largou o travesseiro de volta no lugar.
— Proposta… – Repeti.
— Sim, uma proposta. Muito boa, por sinal. – Sua voz era atraente. — Nancy andou se revoltando com o grupo e resolveu trabalhar sozinha. Está atrás de você. – Ele explicava calmamente.
— Atrás de mim? – Meu coração saltou.
— Sim. É por isso que estou aqui. Vim lhe oferecer proteção, porém, em troca, você deve sua vida a mim, por assim dizer. – Ele se deitou na cama.
— Como assim “deve sua vida a mim”?! – Afastei-me.
— Eu te transformo, você vira uma de nós e te protejo de Nancy. Sei bem do que ela é capaz pra conseguir o que quer. – Ele riu baixo, parecendo despreocupado.
— Já tenho quem me proteja, obrigada. – Fui rígida.
— Dominic não será capaz de conter a fúria dela. Ela é muito forte para ele. – Ele se levantou e me fitou.
— Ângela também é forte. Se todos eles trabalharem juntos, Nancy morre e leva você com ela. – Eu grunhi.
Ele desapareceu dos meus olhos e reapareceu atrás de mim.
— Acho bom você dobrar essa língua, Emily. Vim te oferecer ajuda. Acho bom que não me trate assim. – Ele sussurrava em meu pescoço, enquanto me segurava fortemente com os braços junto ao corpo.
— Você não merece respeito! – Cuspi as palavras.
Ele me apertou com mais força, dei um único urro e caí no chão. Ouvi minha mãe me chamar. Roney voou pra janela e me encarou.
— Acho bom que você seja boazinha ou vai ter problemas. – Ele arremessou-se para fora e desapareceu.
Recuperei o ar perdido no aperto de Roney, com certo esforço, e andei até a janela. A noite estava embaçada pela névoa. Nenhum sinal de ninguém, nem bom, nem mau. Voltei pra cama, mas não me deitei. Sentei e agarrei os joelhos. Minhas lágrimas vertiam dos olhos e escorriam pelos braços e pelas pernas umedecendo meus lençóis.
Ouvi um ruído, mas nem levantei o olhar. Senti-me abraçada fortemente. Já conhecia aquele abraço confortante.
— Desculpe a demora. Estava ajudando Ângela a cuidar da Nancy. Roney te feriu? – Seu sussurro era suave e gelado em meu pescoço.
— A única coisa que me machuca é você estar longe de mim! – Abracei-me nele, em meio às lágrimas.
— Perdão. Perdoe-me, por favor! – Ele me abraçou mais forte.
— Não me deve desculpas. – Acariciei seu rosto com ambas as mãos.
Ele beijou minha testa e permaneceu escorado em meu rosto. Afastei-me alguns centímetros e o fitei nos olhos. Ele podia ler meus pensamentos, então não havia nada a esconder. Eu o amava e essa era a verdade que eu não admitia nem a mim mesma até aquele exato momento. Aproximei meus lábios dos dele, porém ele desviou o rosto.
— Não posso. – Ele sussurrou.
Mal consegui falar.
— Não vou saber a hora de parar. – Ele baixou a cabeça e engoliu seco. — Não quero machucar você. – Ele se afastou de mim e se levantou da cama.
— Sei que você tem controle sobre si mesmo. – Eu o segui.
— Emily, você lembra qual é o meu ponto fraco? – Ele pôs uma mecha do meu cabelo para trás de minha orelha.
— Sou eu? – Eu disse, meio sem jeito.
— Sim. É você. Perto de você… e por você… eu não sei me controlar. Sou quem sou. Sou o que eu sou… um monstro! – Ele grunhiu e se afastou de mim.
— Você não é um monstro! – Corri até onde ele estava, no outro canto do quarto.
— Você não entende. – Ele encarava a parede, com a testa escorada nela.
— Então me explica!
— Emily, eu posso te matar! Minha vida se resume a isso ou eu morro! Mas… se houvesse somente uma pessoa no mundo, e essa pessoa fosse você… nunca… – Ele não terminou, mas eu entendi. — Eu morreria, mas não mataria você. – Ele se virou para mim.
— Shh. – Encostei meu indicador em seus lábios gelados. — Mesmo que você tenha razão em tudo o que disse, continuo… – Hesitei. — Confiando em você.
Ele não falou nada, apenas me abraçou forte mais uma vez, segurou meu rosto entre as mãos frias e deslizou o polegar sobre meus lábios. Fiquei sem reação; só ele sabia como me deixar assim.
— Fique aqui essa noite. Tenho medo de ficar sozinha. - Abracei-o.
— Nunca vou te deixar sozinha, Emily. Nunca! – Ele sussurrou em meu ouvido; como era de se esperar, me arrepiei.
Deitei-me na cama, ele se deitou ao meu lado, sobre as cobertas. Pude sentir seu corpo frio perto de mim. Me senti plenamente segura com ele ao meu lado. Mesmo que ele fosse frio e que me fizesse tremer um pouco, me abracei nele. Só então adormeci.

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