domingo, 1 de abril de 2012

Sexta-feira, 19 abril

Acordei no outro dia, eram cinco e meia da manhã. Como não havia nada para fazer, arrumei meus cabelos e me troquei. Resolvi explorar o hotel.
Saí do meu quarto pé por pé para não acordar meus pais. Andei pelo vasto corredor do hotel, ainda escuro, nem o sol e nem a lua brilhavam no céu. Parei diante de uma parede vítrea, observei atentamente a paisagem ser coloria de laranja, rosa e amarelo. O sol nascia aos poucos.
— É lindo… – Dominic estava posto ao meu lado, lindo e majestoso.
— Bom dia, Dominic! – Não tirei os olhos da rua.
— Ótimo dia… – Ele disse baixo.
Sorri de leve e olhei para ele. Creio que não deveria tê-lo feito, pois no instante em que o fitei, meus olhos nada mais viam a não ser ele.
Ele notou que o encarei com cara de boba.
— Algum problema, Emily? – Ele sorriu.
Baixei a cabeça e acenei negativamente, sorrindo.
— Fica linda tímida… – Ele acariciou de leve minha face.
Minha respiração trancou na garganta e eu enrubesci.
— Olha! Ficou rosinha! – Ele riu de leve.
— Ai que vergonha! – Cobri o rosto com as mãos.
Ele riu alto e voltou a fitar a paisagem. Eu o encarei, ainda rubra e sem reação. Voltei a respirar normalmente e observei a paisagem. Não se comparava aos seus olhos claros fitando docemente a rua.
— Que horas são, falando nisso?! – Olhei o relógio no meu pulso.
O relógio marcava seis horas. Não havia visto o tempo passar. Com Dominic eu não via mais nada… O tempo era uma piada para mim.
— Ainda é cedo. Nossos pais estão pensando em sair da cama, mas estão na dúvida! – Ele brincou.
Eu ri e notei que alguém se aproximava de nós.
— Bom dia, Irmão. Olá Emily! – Ângela saltou sobre mim e me abraçou.
— Ângela! Bom te ver! – Fui, aos poucos, assumindo minha cor natural, clara.
Ângela vestia uma blusa rosa, de mangas curtas e levemente cheias, um jeans claro, e mantinha o cabelo amarradinho em um coque charmoso, cheio de voltinhas com mechas rosa que se destacavam no cabelo preto-azulado.
— Nossa! Você está linda esta manhã, Ângela! – Eu brinquei.
— Obrigada! – Ela curvou de leve a fronte para agradecer. — Você precisa de uns toques também! – Ela me puxou pela mão até o quarto dela.
Quando entramos, o quarto estava em perfeita ordem, as camas impecáveis, um copo de água servia de prisma para a luz que invadia o quarto pela janela, iluminando a cama com brilhos coloridos. Era, apesar de simples, uma cena incrível.
— Aqui! Segura! – Ângela interrompeu meus devaneios me tocando nos braços uma pilha de roupas dobradas.
— Ângela! Calma! Uma de cada vez! – Eu berrei por entre as roupas, que começavam a amontoar-se sobre minha cabeça e abafar minha voz.
Tive a impressão de estar segurando o roupeiro inteiro! Mas não era nem a metade.
— Espera! Estou procurando uma coisinha aqui! Tenho certeza de que deixei aqui! – Ela jogava as roupas pra todos os lados.
Ela levantou-se num salto.
— Ah… Esqueci! Está ali! – Ela andou até a cama e pegou uma caixa lilás.
— O que?! Você me fez segurar isso tudo pra nada?! Não acredito! – Atirei as roupas no chão; meus braços estavam trêmulos.
— Desculpe, estou meio desatenta. – Ela se sentou na cama e abriu a caixa, sua expressão era fria.
— Posso… saber o porquê de sua desatenção? – Eu me sentei ao seu lado.
— Não é nada… Só estou preocupada… ­– Ela ajeitou o cabelo rapidamente.
Abracei-a com um braço apenas.
— Sabe que pode confiar em mim, não sabe? – Confirmei a ela, certa do que dizia, pois realmente podia confiar em mim.
Ela suspirou e hesitou por alguns instantes.
— Soube… de coisas que não me agradam. – Ela fechou a cara.
— Coisas…? – Eu tentei fazê-la falar.
— Pessoas que realmente não gostaria que me admirassem, me admiram… – Ela lamentou-se, mantendo-se séria e ríspida.
— Ah, entendo… – Um estalo surgiu em minha mente; se Derick soubesse que ela já sabia, poderia pensar que quem contou fui eu!
— O que eu faço, Emily?! – Ela se atordoou; se colocou de pé em um segundo e começou a juntar as roupas espalhadas pelo quarto e dobrá-las agilmente.
Pus-me ao seu lado a ajudar a dobrar as peças lindas, jogadas pelo carpete vermelho escuro do chão.
— Simplesmente deixe-o gostar de você! – Eu sorri. — Não deveria ser surpresa para ninguém! Você é linda, deveria se acostumar com isso! – Eu ri baixo para descontrair.
— Quer saber?! Você tem razão! – Ângela, de repente, estava de pé ao meu lado; eu agachada. — Sinto-me lisonjeada por ser admirada de tal maneira! – Ela sorriu gentilmente.
Sorri com ela e me levantei.
— Ok, hora de te arrumar agora! – Ela correu de um lado pra outro, procurando algo.
Suspirei e revirei os olhos; eu não tinha escolha; não com Ângela! Ela pegou uma caixa pequena – mais surpresas em uma caixa pequena! Abriu-a delicadamente e pegou alguns grampinhos com mechas coloridas.
— É… Ângela, você não acha… um pouquinho demais pra mim, não? – Me encolhi enquanto ela puxava mechas do meu cabelo.
— Que nada, amiga! – Ela prendeu, com agilidade, um dos grampos no meu cabelo.
— Ângela, não é… isso que eu gosto! – Eu tirei, discretamente, o grampo que ela colocou.
— Ok… você escolhe então… – Ela se sentou, ainda sorrindo.
— Quem sabe algo… mais negro… mais… gótico… Sempre quis experimentar esse estilo! – Eu ri.
— Olhando pra você… É… Ia ficar legal! – Ela analisava minha face, como se fosse uma tela em que pintaria em seguida.
Animei-me com a ideia e sorri de um modo torto. Ela levantou-se rapidamente e catou uma maleta preta de dentro de uma das portas do roupeiro. Quando ela abriu a maleta, meu queixo não se segurou e caiu! Era muita coisa! Batons de cores diversas, máscaras para cílios de diferentes marcas, lápis de olho de múltiplas tonalidades, bem como sobras e blush. Eu tive até que rir para não gritar, pois meu sonho era ter uma maleta daquelas.
— Nossa! – Abismei-me.
— O que foi? – Ela me olhou atentamente.
— Nada! Só que meu sonho é ter uma dessas! – Eu ri.
Rimos as duas, juntas. Ela começou seu trabalho, ágil e velozmente. Começou com a tal base líquida e pó compacto, brancos! Eram da cor da pele dela, mas serviam para mim. Em seguida, pegou o lápis e desenhou longos traços sobre minhas pálpebras, conhecidos como “olhinhos de gato” ou “gatinhos”. Em seguida, pegou o batom e deslizou sobre meus lábios. Era de um vermelho vivo, muito intenso, destacou-se em minha pele branca, ainda mais esbranquiçada pela base e o pó.
Depois de mais algumas camadas de sombra preta e lápis de olho, preto – só pra variar! – sua “arte” estava finalmente concluída, mas faltava algum detalhe em mim. Com certeza não era na maquiagem, isso eu afirmo! Olhei-me no espelho, meu cabelo levemente claro e encaracolado caia leve sobre meus ombros.
— É claro! – Ela berrou atrás de mim. — “Dãh”! Como eu fui me esquecer! – Ela revirou os olhos, indicando que se esquecera de algo óbvio.
— O que? – Virei-me para ela.
— Já sei o que fazer com seu cabelo, vai ficar IN-CRÍ-VEL! – Ela quase deu um delíquio na minha frente!
Até espantei-me com seu tom de voz. Afastei-me devagar e me sentei na cama. Ela virou-se para mim com uma prancha de cerâmica nas mãos, ou seja, meus únicos crespinhos delicados me dariam adeus! Vendo minha reação, Ângela riu alegremente. Puxou uma mecha de meu cabelo e deslizou facilmente a prancha do alto à ponta da mecha. Meu cabelo ficou de um liso incrivelmente natural.
— Vai ficar legal, acredite! – Ela pegou mais algumas mechas e alisou rapidamente.
Suspirei e deixei que ela fizesse no cabelo todo. Em questão de minutos, meu cabelo estava completamente liso. Como eu estava de costas para o espelho, não havia visto como ficou.
— Vai, olha lá. Vê se gostou. – Ângela me incentivou.
Andei de olhos fechados até o espelho, tateando para não tropeçar em nada. Quando senti o frio sob meus dedos, o gelo do vidro, abri os olhos lentamente. Arregalei meus olhos ao ver meu reflexo, muito diferente do que costumava ver. Na verdade, o que consegui ver foi apenas meio reflexo; o outro estava coberto por uma franja que eu preferia manter oculta, por conta de ter cortado errado no barbeiro.
— Ângela… – Eu me apavorei, minha voz falhou e eu estremeci.
— Ai… não gostou? – Ela cobriu a boca, nervosa.
— Está brincando?! Eu adorei! Nem meus pais me reconheceriam! – Eu ri.
— Vamos testar! – Ela me puxou.
— Espera! – Arranquei, com dificuldade, meu punho de seu forte aperto.
— O que houve? – Ela parou.
— Minhas roupas, vão me reconhecer por elas! – Eu apontei com as mãos abertas para mim, de cima para baixo.
— Ah, claro! – Ela revirou os olhos e voltou ao armário.
Pegou um vestido de seda, preto, com mangas compridas, muito delicadas. Vesti a roupa e me olhei no espelho. Realmente não parecia nada comigo. Ela me jogou nas mãos um par de saltos altos, lindos por sinal. Calcei os sapatos e, por fim, estava pronta. Ela me agarrou pela mão e, meio desajeitada, saí porta afora, confusa e temerosa, sem nem ao menos saber o motivo.
— Dominic! Olha só! – Ângela me arrastou até ele.
Ele me fitou de cima a baixo, incrédulo, porém sem demonstrar.
— Nossa. – Foi só o que disse.
— Ai, Nick! Fala mais alguma coisa! Ela teve um trabalhão pra se produzir! – Ângela deu uma tapinha leve no braço dele, desconcentrando-o.
— Andy, por favor… – Ele enrubesceu.
Aquela foi a primeira vez que o vi corar, por mais leve que fosse.
— Gostou? – Perguntei timidamente.
— Muito bom. – Ele sorriu torto.
Aquele sorriso me desarmou totalmente, fez minhas pernas afrouxarem, o que não deu em boa coisa. Desabei por cima de Dominic. A sorte foi que ele me segurou antes mesmo que caísse no chão. Ele me encarou fundo nos olhos. Pude ver de relance que Ângela nos fitava, curiosa, esperando que algo acontecesse.
Dominic oscilava o olhar entre meus olhos e minha boca. Sacudi a cabeça rapidamente e me pus de pé novamente, desviando o olhar de Dominic.
— Vamos… mostrar pra… pra… – Eu estava totalmente perdida.
Dominic notou minha reação e riu baixo, mas não o suficiente para que eu não ouvisse.
Suspirei e escondi o rosto com as mãos. Andei na direção do meu quarto com Ângela e Dominic atrás de mim, silenciosos. Algumas vezes tive de virar para trás para confirmar que estavam bem atrás de mim, pois não faziam ruído algum, até pareciam voar.
Cheguei diante da porta do quarto e bati três vezes com as juntas dos dedos.
— Mãe? – Chamei.
Ouvi uma voz de choro, dizendo-me para entrar. Preocupei-me, pois reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Minha mãe estava com uma folha, o que parecia ser uma carta, e uma fotografia nas mãos.
— Mãe! O que houve? Por que está chorando? – Eu corri até ela, meio desajeitada por conta do salto alto.
Ângela e Dominic ficaram na porta, fitando-nos com olhos curiosos.
— O vovô faleceu, meu bem! Ele nos deixou! – Ela me abraçou forte.
— Ah, mamãe… – Eu não era tão apegada ao meu avô, mas pude sentir a dor de minha mãe. — Fique calma… isso é natural… – Eu tentei consolá-la.
— Natural?! Uma pessoa morrer em um assalto é natural?! – Ela exaltou-se.
Admirei-me com tal atrocidade. Minha mãe continuava a chorar. Abracei-a por mais uma vez.
— Onde está papai? – Sussurrei em seu ouvido.
— Foi chamar um táxi. Vamos hoje para casa, filha. – Ela tentava controlar-se.
HOJE?! Mas mãe! – Tentei arranjar algum argumento, mas a morte de vovô era muito melhor do que qualquer desculpa que eu arranjasse.
Suspirei e fui arrumar minhas malas. Com lágrimas nos olhos, que gotejavam sobre minhas roupas, dobrei-as uma por uma e as pus em malas. Dominic e Ângela não saíram da porta; ficaram observando-nos em silêncio.
Terminei de arrumar minhas coisas e meu pai chegou com as malas dele nas mãos.
— O táxi chegou, vamos lá. – Ele disse em meio a lágrimas.
Senti uma dor no peito muito forte, mas não era por meu avô. Era por pensar que tudo aquilo acabaria, eu voltaria pra Pensilvânia, nada mais seria tão bom. Pensar que a noite não ouviria mais piano, não ouviria mais violino… Não ouviria mais nada a não ser o som de choro de dias e dias de minha mãe.
Peguei minhas malas e andei a passos lentos até a porta. Larguei as malas no chão e abracei fortemente a Ângela.
— Vou sentir saudades, minha amiga! Muita saudade! – Eu disse, chorando.
— Oh… Não fique assim, minha querida! Vamos nos ver outra vez! Eu espero… – Ela me abraçava e afagava meus cabelos.
Quando consegui me libertar do abraço de Ângela, observei Dominic, que reprimia algo dentro de si. Abracei-o também, mas foi algo diferente… Algo forte, profundo.
— Vou sentir muito sua falta… Sentirei falta do seu sorriso… dos seus olhos… – Ele disse, amargurado.
— Vou sentir falta da sua habilidade no piano… – Eu brinquei. — Mas sentirei mais saudades de você, por inteiro! – Eu quase me desesperei ao dizer tais palavras.
Despedidos, Ângela e Dominic nos levaram até o térreo do hotel, nos ajudaram a por as malas no carro e ficaram lá, de guarda até que virássemos a esquina.
Logo que eles saíram de minha vista, o táxi ficou silencioso e tomado por lágrimas e soluços de choro. Mamãe por vovô, papai por mamãe e eu por Dominic e Ângela. Depois de um longo trecho, sem lágrimas pararem de escorrer por nossos rostos, compramos nossas passagens. Enquanto aguardávamos a chamada para o voo, pensava nos dias que se sucederam no Transilvânia Hotel. Eram momentos lindos, sem reprise e sem igual.
Ouvi a voz robótica da comissária dizendo para embarcarmos no portão dois. Seguimos até o portão e entramos no avião. Para meu azar eu estava sentada ao lado de gente que não conhecia. Meus pais sentaram-se juntos, distantes de mim. Escorei a cabeça em uma das mãos, minhas lágrimas, incessantes, rolavam insistentemente por minha face abatida.
A aeromoça alertou-nos para por os cintos de segurança, deu todas as instruções de voo e começamos a decolar. Conforme o avião andava para frente e para cima, meu coração se apertava cada vez mais, não só pela pressão atmosférica, mas por deixar aquele lugar encantador. Tanto chorei no voo que acabei por adormecer.
Acordei com minha mãe me chamando docemente.
— Emy? Vamos, já chegamos.
Eu, meu pai e minha mãe estávamos prontos para o velório de meu avô. Quando descemos do avião, nos encharcamos, meu cabelo voltou a ser o que era antes. Naquela manhã, até os anjos choravam por meu avô, choravam pelo vovô Ben. Observei o triste olhar de minha mãe ao chegarmos ao cemitério onde meu avô seria velado. Não contive minhas lágrimas ao despedir-me de vovô, ao tocar pela última vez sua pele gélida e pálida, porém suave. Arranjei mais um motivo para chorar: A pele de meu avô lembrava-me a pele dos D’mitri, lívida e álgida.
Chorei muito e saí de perto do caixão a passos velozes, o vestido chacoalhava com o vento na chuva, que parecia mais gelada. Encolhi-me em um banco sob uma árvore e chorei, o rosto coberto por meus cabelos molhados. De repente, senti-me observada. Olhei ao redor, mas estava delirando apenas. Voltei a ocultar minha face, quando alguém se sentou ao meu lado.
— Fique tranquila. Ele está bem; onde quer que esteja, é melhor do que aqui. – Reconheci a voz de meu pai.
Abracei-o forte e umedeci sua camisa negra, como o dia estava.
Depois de mais algumas horas velando o corpo de meu avô, ele foi enterrado; para mim a parte mais dolorosa. Ver todos os meus parentes e amigos chorando, tristes pela perda, foi difícil. Papai guiou-me até mamãe, que já parara de chorar, e foi com tio Peter até sua casa, pegar o nosso carro, onde havia deixado. Fiquei abraçada em minha mãe até que meu pai voltasse, o que não demorou muito tempo.
Entramos no carro e fomos pra casa. O tempo insistia em chorar comigo, fazendo com que eu, cada vez, chorasse mais.
— Filha… entendo que gostaria de ficar na Romênia, mas é importante que esteja aqui. – Meu pai tentou ser gentil.
— Eu sei, pai. – Eu fui ríspida, fazendo o assunto findar por ali mesmo.
Chegamos em casa. Minha mãe e eu descemos e pegamos as malas; meu pai estacionou o carro. Ao entrar senti o cheiro amadeirado do piso da sala, misturado ao cheiro do aromatizador que minha mãe instalara há pouco tempo. Larguei minha mala em um canto da sala e subi as escadas até meu quarto.
Joguei-me sobre a cama e chorei mais um pouco, como se já não bastasse o tanto que chorei voltando de viagem.
Fiquei lá por horas, com algumas interrupções de meus pais perguntando se eu estava bem ou se precisava de algo. Minhas respostas eram simples: “Estou bem…” “Não estou com fome…”. Era o que me vinha à mente no momento.
Levantei-me, pois cansara de chorar. Meu rosto estava rígido, minha voz não era mais normal. Eu estava muito triste. Achei que aquele fosse ser um dia bom. Sentei-me na janela baixa e fiquei observando a paisagem chuvosa e triste da rua. Pensava no que será que Ângela e Dominic estavam fazendo naquele momento. Olhei para mim mesma, estava com o vestido que Ângela me emprestara. Sorri ao me lembrar das loucuras que ela fazia, sorri ao ouvir na mente a doce música tocada por Dominic, acompanhado de Andy. Logo voltei a chorar, minhas lágrimas rolavam como a chuva.
Resolvi parar de chorar e descer para comer alguma coisa. Deparei-me com meus pais contando dinheiro, nem sei para que fim.
— Não tem muito, mas é o que ele deixou pra ela. – Minha mãe comentou baixo para meu pai.
— Ah, ela não precisa de mais. – Meu pai se manifestou.
— O que é isso? – Aproximei-me deles.
— Sua parte da herança do vovô Ben. – Ela pôs o dinheiro de volta ao envelope pardo e me entregou.
Peguei o envelope e espiei seu conteúdo.
— Quanto tem? – Eu continuava a procurar com os olhos algo dentro do envelope.
— Cinco mil dólares. – Meu pai disse sorrindo.
— Cinco mil?! – Abismei-me.
— Está suficiente, não acha? – Minha mãe continuava murmurando.
— Mais do que suficiente! – Eu sorri. — Valeu, vovô… – Murmurei para mim mesma.
Com o envelope em mãos subi as escadas até meu quarto. Atirei o envelope dentro de uma gaveta, bem segura, onde ninguém pudesse tocar. Sentei na cama novamente e sorri. Minhas lágrimas cansaram de verter de meus olhos. Já estava planejando o que fazer com aquele dinheiro. Meu primeiro carro, talvez, ajudar mamãe e papai a pagar as contas, quem sabe. Eram múltiplas as opções. De repente, um estalo na mente.
— Romênia! – Me pus de pé em um salto. — Claro! Como não pensei nisso! – Eu estava radiante.
Desci as escadas correndo para avisar meus pais de minha decisão.
— Mãe, pai, eu vou voltar pra Romênia! Com o dinheiro que vovô deixou, dá pra ir, ficar uns dias e voltar tranquilamente! – Eu continuava eufórica; meus pais me encaravam atinados.
— Não mesmo, Emily! – Meu pai bateu pé comigo.
— Filha, você não vai sozinha! Cinco mil só dão pra duas passagens, uma de ida e uma de volta! – Minha mãe tentou parecer calma, mas pude ouvir uma ponta de histeria em seu tom de voz.
— Mãe! Eu sei me virar sozinha! Por favor! – Eu implorei.
— Filha, eu sei muito bem que você sabe se virar sozinha, mas e o ano escolar? Não pode faltar à escola, por isso não vai voltar pra lá. – Ela explicou-me.
Não discuti, pois sabia que minha mãe tinha razão. Desolada, subi as escadas de volta a meu quarto. Joguei-me em cima da cama. “Meu dinheiro e nada do que quero” pensei comigo mesma. O jeito era procurar um carro mesmo.
Levantei-me da cama e liguei meu note book. Abri uma página de venda de automóveis novos, seminovos e legítimas latarias! Olhei o preço dos mais baratos. Eram realmente HORRÍVEIS! Se duvidar, nem andavam! Revirei os olhos, suspirei e dei uma olhada nos seminovos. Até que havia alguns bem bonitos, mas o preço não dava pra mim. Sempre faltavam alguns zeros. Decidi mudar a página da internet de “venda de carros” para “vaga de empregos”. Eram empregos profissionais que exigiam que o empregado trabalhasse quase o tempo inteiro, em torno de onze ou doze horas por dia, o que não daria para mim. Desisti de procurar tudo na internet e resolvi correr atrás de um emprego com minhas próprias pernas.
Ajeitei meu cabelo, vesti algo decente e desci as escadas.
— Onde pensa que vai, mocinha? – Minha mãe indagou-me com os olhos atentos.
— Vou procurar um emprego. O dinheiro que vovô deixou não dá pra comprar meu carro. – Eu expliquei.
— Carro?! Que carro? – Ela se levantou e atirou longe as agulhas de tricô que segurava.
— Ora, já que você não me deixa ir à Transilvânia, vou comprar um carro. Não posso também? – Eu olhei para ela com cara de afronta.
Minha mãe suspirou e revirou os olhos. Éramos tão parecidas.
— Ok, vá, mas não demore! – Ela juntou as agulhas e voltou a assentar-se no sofá.
Saí de casa, mas logo voltei. Estava chovendo e eu esquecera. Peguei meu capuz e um guarda-chuva, que mais parecia uma barraca, de tão grande.
Saí novamente. O tempo estava negro, meu capuz sacolejava no vento forte. Meu guarda-chuva quase se rendeu à força do vento quando virei à esquina de casa. Dei mais três passos e a sombrinha voou da minha mão. Por sorte, parou de voar, depois de eu ter corrido um três metros atrás dela. Peguei o objeto fujão e o fechei, já estava encharcada mesmo, do que me adiantaria o guarda-chuva! Quando ergui a cabeça, vi um anúncio em uma parede. Dizia assim:



O MERCADO JENSEN’S SHOP SELECIONA:

à Operante de Caixa;
à Estoquista;
à Faxineiro;

Caso interessado, contatar Joseph Jensen.
O Mercado Jensen’s Shop agradece!

Obviamente não pensei duas vezes antes de arrancar o anúncio da parede e correr até o mercado, antes que fechasse para o almoço. Cheguei diante do grande e movimentado mercado. Entrei e entreguei meu guarda-chuva para a balconista que cuidava dos itens dos clientes, caso eles quisessem. Olhei ao redor e só vi gente correndo por todos os lados, de lá pra cá, de cá pra lá… Era gente demais. Como eu acharia o Sr. Jensen no meio daquele povo todo?!
— Com licença. – Eu chamei a moça de um dos caixas. — Sabe onde posso encontrar o Sr. Jensen? Vim atrás do emprego que ele ofereceu. – Expliquei.
— Ah, é só aguardar na sala dele. Siga pelo corredor da esquerda e entre em uma porta no fim dele. Suba as escadas e aguarde. – Ela sorriu docemente.
Segui as coordenadas dadas a mim. A sala era escura, tinha um carpete vermelho e uma música lírica ao fundo. Era estranho. Bati na porta, pra checar se havia alguém ali. Ouvi uma voz masculina dizendo-me para entrar.
Entrei na porta pé por pé. Estava tímida. O moço estava sentado em uma cadeira, que parecia muito confortável, preenchendo formulários.
— Com licença, Sr. Jensen. Vim… vim por que li este anúncio. – Mostrei o papel. — Gostaria de… se possível… preencher uma dessas vagas. – Eu estava rubra, digamos que eu não tivesse muito jeito com as pessoas.
— Tem alguma preferência, mocinha? – Ele me fitou, amável.
— Não. Não senhor. O senhor escolhe. – Eu sorri docemente.
— Bem… Estou precisando de operadores de caixa, seria capaz de executar esta função? – Ele levantou-se.
— Claro! – Eu sorri, me empolguei.
— Bom… Então… O horário é das sete às vinte horas, mas imagino que estude, então vou te dar uma ajuda. Você trabalha das quinze até as dezenove, de segunda a sexta-feira, está bem? – Ele propôs gentilmente.
— Nossa! Está perfeito, Sr. Jensen! Obrigada, não vai se decepcionar! Eu prometo! – Aproximei-me dele e apertei sua mão.
— Ótimo. O emprego é seu! Basta preencher esse cadastro. – Ele me entregou uma folha cheia de perguntas e opções.
Analisei a folha rapidamente, sentei-me e respondi ali mesmo. Havia perguntas simples como “Seu nome completo”, “CPF”, “Nome dos responsáveis”, coisas assim.
Depois de ter terminado de responder o questionário, entreguei, sorridente, a folha para o Sr. Jensen. Ele olhou rapidamente e sorriu. Supus que ele gostou das minhas respostas, apesar de muito básicas.
— Bom, bom, bom… Muito bom. É seu! – Ele largou a folha sobre a mesa e apertou minha mão por mais uma vez.
Seu aperto era forte, muito confiante. Senti que aquilo seria uma boa forma de ganhar dinheiro. Muito bom!
Saí do mercado aos pulos, feliz por ter conseguido meu primeiro emprego.  Entrei pela porta, sorrindo.
— E aí? Pelo visto conseguiu. – Minha mãe estava terminando o almoço.
— Sim, eu consegui! – Ergui as mãos e me atirei de costas no sofá macio.
— Que bom! Qual é o horário de lá? – Ela pegou os pratos no armário.
— Das quinze até as dezenove. Não vai atrapalhar em nada nos estudos! – Eu estava vibrante.
— Muito bem. Parabéns! – Ela sorriu enquanto colocava os pratos na mesa.
Levantei-me para ajudá-la. Peguei os copos e os pus a mesa, junto aos pratos. Sentei-me em meu lugar de sempre, meu pai desceu as escadas e se sentou no lugar à ponta da mesa. Minha mãe sentou-se diante de mim, a direita do meu pai.
— Pai! – Quebrei o silêncio. — Arranjei um emprego, sabia? – Eu estava animada.
— Hmm. Onde? – Ele fitou-me atentamente.
— No Jensen’s. O mercado ali da avenida. – Expliquei sorridente.
— Não vai atrapalhar nos estudos? – Ergueu uma sobrancelha.
— Não. Ele me fez um horário especial, mas vou chegar meio tarde, por volta das sete horas, sete e trinta… por aí. – Eu brinquei com o garfo enquanto minha mãe colocava no prato uma folha de alface.
Levantei-me para alcançar as panelas sobre a mesa, servi-me e voltei a me sentar.
— Quanto você vai ganhar? Digo… de quanto será seu salário? – Ele estava concentrado nas panelas, enquanto se servia.
— Não sei… Ele ainda não me disse… – Torci a cara ao ver meu pai arregalar os olhos logo que acabei de falar.
— Como assim não disse?! – Ele se sentou e me encarou apavorado.
— Não disse, só vou saber na segunda-feira… – Eu murmurei.
— Bom… Só não reclame se o salário for baixo! – Ele tomou feições mais calmas e riu.
— Preciso de dinheiro, não preciso de muito. Apenas alguns dias trabalhando e consigo comprar meu carrinho novo. – Eu ri.
— Dias? Acho que não, Emily. – Ele abocanhou o garfo, carregado de macarrão.
— Meses? – Tentei chutar.
— Anos! – Ele sorriu.
— Ah, ok… – Resolvi encerrar o assunto e comer logo.
Terminei de comer, tirei os pratos da mesa, lavei a louça e subi pro meu quarto. Joguei-me sobre a cama. Plenas férias de inverno, nada pra fazer, nenhuma lembrança de Dominic e Ângela me restara, além de minhas memórias, que um dia se apagariam e não seriam recuperadas nunca mais. Eu nunca voltaria praquele hotel, nunca mais veria aqueles irmãos maravilhosos e o resto de sua família. Nunca mais ouviria as músicas encantadoras que eles tocavam, mas havia um lado bom nisso tudo: Nunca mais veria Roney, Ella, Nancy e nem Derick. Sem tormentas ou pesadelos reais. Nada de mais marasmos no olhar daqueles quatro seres malignos, com expressão atormentadora, porém linda.
Sentia falta das noites que passava no Transilvânia hotel. Era um lugar estranho, um tanto assombroso, porém nada me perturbava quando eu estava com os D’mitri, mais especificamente Dominic.
Levantei-me da cama e liguei meu computador. Entrei no meu e-mail, mas a caixa de entrada estava vazia. Resolvi procurar algum rastro dos D’mitri. Digitei em um site de pesquisa. Nada! Não encontrei absolutamente nada! Achei até incrível por não haver resultado algum. Desliguei o computador.
— E agora?! – Eu murmurei pra mim mesma.
Uma ideia me surgiu: Abrir o Site do Transilvânia hotel. Religuei o computador e procurei o site na internet. Achei, mas nada dos D’mitri. Bati as mãos com força na escrivaninha, fazendo um estampido alto.
Minha mãe gritou da cozinha:
— Filha, Está tudo bem?
— Sim mãe! – Respondi aos gritos. — Estava procurando uma coisa e não achei! – Expliquei.
Ela se calou, provavelmente entendeu. Continuei a procurar insistentemente por eles, mas nada achei além de fotos dos cômodos mais importantes e dos dormitórios do hotel. Havia também algumas fotos do Transilvânia I. Matei a saudade, lembrei-me de cada momento que passei lá. Lembrei-me da música correndo pelo salão empoeirado, lembrei-me do “escritório presidencial”, de tudo o que havia lá. Sem exceções. Até de Roney me lembrei; estremeci ao rever na mente aquele olhar feroz e hostil.
Mais que depressa fechei a janela do computador e o desliguei. Suspirei profundamente e me levantei. Fiquei andando em círculos pelo quarto sem ter o que fazer. Andei, andei e andei. Devo ter perdido umas quinhentas calorias.
Desci as escadas rapidamente.
— Mãe, eu estou entediada. Pode me dar o que fazer? Sei lá… Uma ideia. – Sugeri enquanto andava até a cozinha.
— Quer me ajudar com o quintal? – Ela segurava um balde com vários instrumentos de jardinagem em mãos.
— Pode ser. Qualquer coisa pra me livrar desse tédio chato. – Eu torci a cara e a segui até o quintal.
Olhei em volta, o quintal parecia em perfeita ordem, não sei o que havia lá para ser arrumado.
— Emily, venha! – Minha mãe gritou do lado da casa, onde não podia vê-la.
Andei até onde minha mãe estava. Ela estava agachada diante de um canteiro de rosas vermelhas, muito lindas por sinal.
— Me ajude a arrancar essas ervas daninha? Estão sufocando as plantas. Veja, isso é que tem de tirar, tudo bem? – Ela me mostrou, as luvas de látex seguravam delicadamente as flores.
Assenti sem dizer nada. Comecei a arrancar as ervinhas. Fiquei lá por mais ou menos trinta minutos. Depois de arrancar as plantinhas que sufocavam as rosas lindas, com dificuldade, levantei-me e me joguei sobre a rede no quintal, estendida entre duas árvores. Lá adormeci.
Dormindo eu sonhei. Eu estava sonhando que andava por um lugar completamente escuro, onde eu ouvia meus passos sobre um vidro fino, e meus batimentos cardíacos faziam eco no breu. Ouvi um sussurro chamando por meu nome, comecei a andar de um lado para outro sem saber onde estava indo, apenas seguindo o chamado que ouvia. Até que chegou perto. Pude sentir na pele o hálito quente de alguém conhecido perto da minha nuca.
— Você continua ingênua, porém seu sangue ainda me atrai… – Ouvi o rugir terno de Roney.
Arrepiei-me e tentei correr. Corri, corri, mas não encontrava saída! Estava muito escuro, não via absolutamente nada, além de um facho de luz sobre mim, que me seguia onde eu ia, parecendo que somente meus pés se moviam e eu ficava parada.
Até que parei. Ouvi um estalar sob meus pés e senti uma revirada no estômago, causada por quedas livres. Eu tentei me segurar em qualquer coisa, mas só sentia vento nas mãos. Senti que caí no chão, mas caí sobre algo fofo.
Já estava em meu quarto, deitada na minha cama. Levantei-me vagarosamente e me olhei no espelho. Fechei os olhos e, aliviada, suspirei. Quando abri novamente meus olhos, Roney estava atrás de mim, parado feito uma estátua, fitando meus olhos no reflexo do espelho, com sua face inexpressiva bem próxima da minha garganta.
— O que faz aqui? – Minha voz falhou.
— Precisava fazer uma coisinha por Dominic. – Ele sussurrou.
— Dominic?! – Eu gritei.
Ele não disse nada… Apenas cravou suas presas em meu pescoço, como na história que os D’mitri me contaram. Senti minha cabeça girar, senti-me mais fraca, irada, a ponto de explodir. Quando, de repente, eu acordo gritando.
Eu estava novamente sentada em minha cama, arquejando enlouquecida. Levantei-me devagar e andei até o espelho novamente. Toquei meu próprio rosto, mas dessa vez não arrisquei fechar os olhos. Corri até a porta e desci as escadas, ainda correndo.
— Mãe! – Eu berrei.
Minha mãe correu até mim.
— O que houve, Emily?! Você está bem? – Ela olhava para mim, mais apavorada do que eu.
— Mãe! Eu tive um sonho horrível! – Eu a abracei fortemente.
Ela acariciou meus cabelos com as mãos doces e beijou o alto da minha cabeça.
— Acalme-se, meu bem. Foi só um sonho, tudo bem? Fique calma. – Ela me tranquilizava, enquanto secava minhas lágrimas, que começaram a cair sem parar.
Eu assenti, soluçando de tanto chorar. Sentei-me em uma das cadeiras da mesa. Minha mãe me trouxe um suco de laranja e me entregou nas mãos.
— Me conte, o que houve? – Ela puxou uma cadeira pra perto de mim e se sentou.
— Eu estava num lugar muito escuro, parecia um vidro… Tinha uma luz em cima de mim, alguém chamou meu nome e eu fui, nem sei pra onde, mas fui. E de repente eu reconheci… – Me interrompi; minha mãe não sabia de Roney.
— E…? – Ela me incentivou a prosseguir.
— O vidro quebrou e eu caí. Caí em cima da minha cama, do nada! – Omiti parte do sonho.
— Sim, prossiga.
— E eu fui me olhar no espelho e… – Hesitei. — Mãe você lembra da história que Andrews contou? Na sala… que ele encontrou no hotel abandonado… Lembra? – Eu perguntei cautelosa.
— Sim, claro, mas e o sonho? – Ela insistiu.
— Bem… Eu me olhei no espelho e… Um… um vampiro me mordeu… Minha cabeça doía, eu estava fraca… Até que acordei lá em cima. – Mordi o lábio, hesitante.
— Ah, meu bem! É só isso? – Ela riu um pouco. — Vampiros não existem, meu anjo! – Ela me abraçou.
— Tudo bem, mãe… – Eu suspirei.
Subi as escadas novamente. Meu celular tocou; o som saiu abafado por roupas dobradas sobre ele. Corri para ver a mensagem – Pelo toque já sabia o que era.

“Ei princesinha. Não esqueça que estou à espreita, a qualquer momento eu apareço pra matar você! Até a próxima noite.”

Quando li a mensagem entrei em choque. O telefone caiu de minhas mãos com um baque. Cambaleei até a cama e me sentei.
— Ele ainda está me seguindo! Como isso é possível! – Eu murmurei para mim mesma. — Eu vou morrer! Não tenho ninguém pra me proteger desse cara! – Eu estava apavorada, mas continuava sussurrando.
Minha porta se abriu, meus olhos voaram rapidamente até ela.
— Filha, o jantar está servido, vamos lá? – Minha mãe me olhava gentilmente.
Levantei-me da cama, ainda assustada, e desci as escadas até a cozinha.
— Ah! – Minha mãe parou no meio da escada. — Esqueci de avisar que teremos um convidado pro jantar! – Ela sorriu.
Quando meus pés tocaram o linóleo da cozinha, meu coração parou de bater. Minha respiração se descompassou totalmente e eu comecei a tremer.
— Olá, mocinha. Como vai? – O próprio perseguidor, meu pesadelo estava assentado junto a meus pais.
— Roney… – Eu sibilei inaudível.
Sua expressão era amigável e doce, era impossível dizer que ele era mau.
— Nos encontramos no hotel, na Romênia. Ele é um analista de artes e estava vendo você cantar naquela noite, lembra, filha? – Meu pai explicou.
— Exatamente. Por coincidência pegamos o mesmo voo e encontrei seu pai no mercado hoje à tarde, enquanto ele fazia as compras. Paramos para conversar e aqui estou. – Ele riu docemente.
Não falei uma palavra. Eu encarava, estática, a face de Roney. Meus olhos não perdiam um só movimento dele. Seus olhos lampejavam negros para mim e eu desviava o olhar para meu prato.
— Mãe, eu posso falar com você um minuto? – Eu sorri, sem graça.
— Claro, meu bem. – Ela sorriu para mim.
— Particular? – Eu murmurei quase inaudível.
— Filha é indelicadeza de sua parte fazer isso! – Minha mãe murmurou um pouco alto, fazendo com que a mesa toda parasse seus assuntos para nos ouvir.
Encaramos igualmente papai e Roney, apavoradas. Levantei-me num pulo, mal tinha comido. Subi as escadas e tranquei a porta de meu quarto. Sentei na cama, suspirando, respirando profundamente para me acalmar.
— Dominic, por que não está aqui! – Eu murmurei entre os dentes trincados de pavor.
Escutei ruídos na cozinha, então corri até a porta e destranquei-a com um pouco de dificuldade. Desci as escadas correndo, caí quando cheguei ao linóleo frio da cozinha.
— Filha! – Minha mãe gritou.
Ergui a cabeça, temerosa, esperando que o pior estivesse acontecendo a ela.
— Mãe! – Gritei novamente.
Quando vi já estava de pé, minha mãe e Roney ao meu lado. Roney continuava com o mesmo aspecto inexpressivo de sempre, inalterável.
— Você está bem, Emily? – Ele deu ares de preocupado, mas senti seus dentes trincarem ao falar comigo.
Olhei meu cotovelo, estava sangrando um pouco. Descobri o motivo pelo qual Roney estava tão afoito enquanto falava. Encarei-o ferozmente e afastei-me rapidamente, arrancando meu braço de seu aperto animal.
— Me solta! – Gritei alto enquanto andava a passos marcados em direção à varanda.
Minha mãe correu até mim – Ouvi seus passos velozes.
— Filha! Isso é coisa que se faça?! Ele só estava querendo ajudar! – Minha mãe ralhou comigo.
— Ajudar… Não viu o que ele tinha nos olhos, mãe?! Não seja ingênua! Trazer um estranho para dentro de casa! Eu achei que fosse para eu estar ouvindo isso, mas parece que não sou só eu que precisa! – Eu dei as costas para ela e subi as escadas novamente.
Bati a porta do quarto com uma força desnecessária e só ouvi o grito histérico da minha mãe para mim.
— Emily Anders, está de castigo por um mês, ouviu bem, mocinha! – Quando ela falava assim não estava para brincadeiras, mas a ingenuidade de minha mãe era perturbadora!
— Ah, mãe! Vai dormir! – Murmurei.
— Não falaria assim com ela se fosse você! – Escutei uma voz feminina, já conhecida.
— Ângela! – Me virei para trás rapidamente.
Que Ângela, que nada! Era Nancy! Sentada na janela, com seu cabelo louro reluzente, brilhando com a luz do luar, os olhos vermelhos como rubis e um sorriso magnificamente intimidante nos lábios.
— Nancy… – Minha respiração desgovernou-se por completo.
— Acalme-se, minha querida Emily. Eu não vim aqui para matar você. – Ela desceu da janela num movimento suave e harmonioso feito uma dança.
Suspirei ao saber que ela não viera atrás de mim.
— Bem… – Ela prosseguiu. — Vim atrás de sua querida mamãezinha. – Ela olhou-me fundo nos olhos.
Novamente apavorei-me. Levantei-me da cama para tentar reagir.
— Ei! Onde pensa que vai? – Ela se pôs em pé diante de mim sem que eu sequer notasse seu movimento.
— Não vai encostar um dedo na minha mãe, ouviu! – Afrontei-a, tentando amedrontá-la, sem sucesso algum.
Ela riu um riso agudo e atemorizante.
— E quem você é para mandar em mim? – Ela me encarou rosnando baixo. — Bem… – Ela se afastou de mim — Já que você não vai me deixar sair, eu vou ficar aqui com você, enquanto Roney faz o serviço. – Ela se sentou na minha cama.
— Mãe! – Eu gritei.
Não obtive resposta dela, só de Nancy rindo alto. Olhei para minha janela, escancarada, e um surto de adrenalina me atingiu. Corri até a janela e me atirei. Quando caí senti meu braço doer muito, parecia ter saído do lugar. Urrei de dor. Meu pai e minha mãe vieram correndo para ver o que se passava. Pude ver que Nancy saltara logo atrás de mim, mas sumira pela rua deserta e escura.
— Filha o que você está fazendo?! – Minha mãe estava apavorada.
— Mãe! Pai! Tirem o Roney daqui! Ele quer matar vocês! Fujam, sei lá, mas não fiquem perto dele! – Eu urrava, gritava.
— Filha! Acho que bateu com a cabeça. Roney não é mau, não. – Meu pai sentou-se ao meu lado. — Lisa, ela deve estar alienada, coitada. Olha o que ela está dizendo. – Ele murmurou para minha mãe, mas pude ouvir.
— Eu não estou louca! – Eu gritei.
Roney saiu pela porta, inexpressivo como sempre.
— O que houve? Ela está bem? – Ele fez-se de preocupado.
— Vai embora daqui! – Eu gritei atordoada.
Ele arregalou os olhos, como se estivesse surpreso.
— Acho melhor chamar uma ambulância. E também acho melhor eu ir. Ela parece ter medo de mim. – Ele disse sério para meu pai, ajudando-o a se levantar.
Eles se afastaram e cochichavam alguma coisa que não pude ouvir. Minha mãe permanecia ao meu lado, mas sem me tocar, pois qualquer toque poderia me matar de dor.
— Me conte, filha. O que você fez para estar assim? – Ela afagou meu cabelo levemente.
— Pulei da janela. – Torci a cara e tentei me levantar, mas caí por cima do braço; resultado: doeu!
— Cuidado filha! – Ela hesitou em me tocar.
A ambulância chegou, os médicos me puseram em uma maca, minha mãe foi comigo, enquanto meu pai deu uma carona para Roney até a estação de trem. Fiquei apreensiva, não sabia se meu pai voltaria ou não para casa.
Cheguei ao hospital. Já não aguentava mais aquele cenário: todos vestidos com roupas brancas, gente doente por todos os lados, correria de cá, correria de lá, um caos completo!
Mas não podia fazer nada para sair de lá – e nem conseguiria com o braço daquele jeito. Deitaram-me em uma máquina de raio X. Fiquei olhando atentamente para a face dos médicos. Eles estavam apavorados, olhavam e olhavam os laudos para confirmar alguma coisa.
— Ahm… Senhorita Anders… – Um deles hesitou um pouco.
Levantei-me com um pouco de dificuldade.
— Sim? – Eu estava curiosa para saber qual era o espanto dos médicos.
— Seu ombro está intacto! Seu braço também! Você não tem absolutamente nenhuma fratura! – Ele fitou o laudo por mais uma vez, só por garantia. — Já pode sair daqui. A dor que você sente é só da queda, nada mais.
Não acreditei no que ele disse. Minha boca se escancarou.
— O quê?! – Eu arregalei os olhos.
— Estou falando a verdade! Quer ver as radiografias? – Ele me ajudou a levantar.
Assenti rapidamente com a cabeça. Ele me levou até outra sala, onde estavam as tais radiografias. Era mesmo verdade o que eles diziam. Meu ombro não sofrera nenhuma alteração! Eu ri levemente, incrédula e apavorada. Com a altura do lugar de onde eu caíra deveria ter quebrado todo um lado do meu corpo!
Um dos doutores me acompanhou até a sala de espera, onde minha mãe estava apreensiva fitando um ponto na sala cheia.
— Senhora Anders, posso lhe falar um momento? – Ele gentilmente a ajudou a levantar e a levou até um canto longe de mim.
Fitei atentamente os dois e ri ao ouvir o berro da minha mãe:
Como?! – Ela estava incrédula, tanto quanto eu!
Ela me olhou, olhou para o meu braço e voltou ao doutor. Eles falaram por mais alguns segundos. Minha mãe veio em minha direção e o doutor chamou o próximo nome.
— Billy Husband. – Ele gritou.
Minha mãe me abraçou cautelosa.
— Filha que bom que está bem! Fiquei tão preocupada! Mas ainda não acredito! Não entendo como pode estar “inteira” depois de ter se jogado daquela altura! – Ela murmurou enquanto saíamos do hospital.
— Nem eu, mãe, nem eu. – Eu ainda tentava entender o que se passara.
Entramos no carro, minha mãe e eu voltamos para casa. Quando chegamos, eu estava nervosa. Não sabia se meu pai estava ou não ali. Entrei pela porta, de cabeça baixa.
— Emily! – Meu pai correu para me abraçar.
Abracei-o fortemente, feliz e aliviada por vê-lo ali.
— Mas me conte – Ele estava ansioso. — Como pode estar de volta? – Ele olhou para meu braço.
— Meu braço está intacto! – Eu sorri — Meu ombro também. Foi como se eu nem tivesse encostado no chão. – Eu movimentei de leve o braço dolorido.
Ele ficou mudo. Só me olhava com os olhos verdes enormes, arregalados.
— Pai? – Eu fiquei séria.
— Incrível. – Foi só o que ele disse.
Sorri, meio sem graça.
— Mas… – Rompi o silêncio.  — E você? Como foi com… o outro cara? – Eu hesitei.
— Ele é um moço simpático, meio estranho, mas simpático. – Ele riu.
— Estranho… – Repeti, rindo um riso forçado.
Senti meu braço novamente. Minha mãe já estava com um remédio para dor e um copo de água em mãos.
— Nossa, mãe! Você é rápida! – Eu ri, peguei o comprimido e bebi água.
— Filha, eu acho melhor você ir se deitar, essa dor vai passar e você estará melhor amanhã.
Assenti sorrindo, subi as escadas, escovei os dentes e fui me deitar. Troquei minha roupa antes, vesti uma camisola rosa, e me deitei vagarosamente para não machucar o braço.
Logo que deitei, já caí no sono. Comecei a sonhar que estava caindo, eu estava novamente caindo da janela. Mas antes que eu chegasse no chão alguém me segurou. Estava escuro, mas eu reconheceria aquele perfume em qualquer lugar!
— Dominic! – Eu estava abismada, falava sussurrando. — Pensei que não lhe veria mais.
— Como isso é possível! Não sei viver sem você! – Ele acariciava meu cabelo, suas mãos continuavam suaves como eu me lembrava delas.
Abracei-o forte e o fitei nos olhos. Aproximei-me dele, mas quando nossos lábios iam se tocar, eu acordei.
Suspirei, chateada por não revê-lo realmente.

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