domingo, 1 de abril de 2012

Segunda-feira, 22 de abril

As férias acabaram, os dias e as noites se passavam, meus sonhos se repetiam, nada de novo. Na manhã do primeiro dia de volta às aulas, meu despertador – azucrinante – me acordou às seis horas da manhã, quando ainda nem havia sol.
Levantei-me da cama, desanimada, fui até o banheiro e lavei o rosto. A água gelada me acordou num susto. Desci, meus pais ainda estavam dormindo, preparei meu café da manhã – cereal com um copo de leite – escovei meus dentes, peguei minha mochila e saí de casa.
Fui curtindo as belezas naturais pelo caminho, já que não tinha nada mais interessante a fazer. Quando cheguei na escola, sentei-me em um banco, perto da minha sala. Minha professora de geografia sentou-se ao meu lado.
— Como foi a viagem? – Ela estava sorridente, toda animada.
— Legal… Na verdade… Mal aproveitei. Só passei três dias no hotel. Mas como a senhora sabe?! – Fiquei intrigada.
— Sua mãe me contou. Encontrei-a no mercado e ela estava comprando coisas pra viagem. – Ela sorriu.
— Ah… – Não pareci surpresa. — Eu… tenho que ir pra aula, senhora Jane… – Eu me afastei devagar dela.
Subi as escadas do meu prédio correndo, tropecei no segundo degrau e quase caí, mas alguém me segurou e me ajudou a levantar. Não acreditei quando vi quem me ajudou a levantar.
— ÂNGELA! – Eu berrei incrédula e pulei em cima dela para abraçá-la.
— Emily! Minha amiga! Como senti sua falta! – Ela me abraçou forte, um pouco forte demais para uma garota.
— Eu também! Fiquei desesperada esses dias que não vi você! – Eu contive as lágrimas. — Mas me diz uma coisa… – Eu estava nervosa, arrumei os cabelos soltos rapidamente.
— Sim? – Ela não mudara nada, desde a última vez que a vi.
— Ahm… – Eu corei. — Dominic veio com você? – Eu estava nervosa, minha voz saiu baixa, quase inaudível.
Ela só sorriu e pareceu fitar algo atrás de mim. Arregalei os olhos e virei-me para trás rapidamente.
— Oi… – Ele estava diferente, mas não mudara. Estava ainda mais lindo do que eu me lembrava.
Não consegui responder. Apenas o abracei forte, uma única lágrima escorreu de meus olhos. Arrepie-me quando ouvi seu riso perto da minha orelha.
— Senti tanto sua falta… – Eu gemi.
— Pode apostar: Eu senti muito mais. Sonhei com você todas as noites. – Ele se enrijeceu.
— Jura? – Eu o fitei, afastando-me e libertando-o do meu abraço adoidado. — Eu também. – Sorri sem jeito.
Ângela olhou o relógio prateado no pulso direito.
— Dom, nós temos que ir, atrasados, lembra? – Ela tocou o ombro do irmão.
— Ah sim… Ah a física me mata. – Ele riu.
— Física?! – Eu me abismei, a mesma aula que eu teria.
— É… – Ele me fitou, com a mesma feição de quem diz “você também?”.
— Vamos nós três então! Eu também tenho física agora. – Eu sorri alegremente.
Seguimos para a sala de aula. Sentei-me em meu lugar de sempre na sala. Dominic e Ângela sentaram-se atrás de mim. Virei para trás para pegar meus materiais dentro da mochila e dei de cara com os olhos mais lindos de todo o mundo, com o sorriso mais doce do planeta.
— Oi. – Ele sussurrou; pude sentir seu hálito perto de meu rosto.
Eu ri e me virei para frente. A professora explicava algo sobre trajetos e movimentos, queda livre… Eu sei lá o que era, mas nada mais me interessava. Meus irmãos favoritos estavam bem atrás de mim!
Mordi o lábio inferior, uma ideia me passara na mente, mas pela discussão que tive com minha mãe há uns dias ela não ia gostar. Mas mesmo assim o fiz.
Arranquei um pedaço da última folha do meu caderno e escrevi um bilhete para Ângela e Dominic:

Querem almoçar comigo hoje? Na minha casa?

Eu estendi a mão por sobre o ombro, disfarçadamente. De nada adiantou. A professora veio andando com cara de doida e passos pesados para perto de mim. Já vinha com uma mão estendida. Suspirei e revirei os olhos. Entreguei o bilhete a ela. Não vi o que Ângela e Dominic fizeram, mas eu escondi o rosto quando ela leu o bilhete em voz alta para que toda a turma ouvisse.
— “Querem almoçar comigo hoje? Na minha casa?”. – Ela usou um tom de zombaria.
— O que foi?! É proibido perguntar agora?! – Eu me levantei e arranquei o bilhete da mão dela.
Foi por impulso mesmo. A turma toda se calou e nos olhavam com olhos curiosos.
— Desça… já… – Ela trincou o maxilar, eu também. Estávamos ambas furiosas.
Mordi o lábio inferior e, antes de sair da sala, olhei para trás, Dominic me olhara tentando dizer algo com o olhar, mas era indecifrável, parecia algum tipo de repreensão.
— VAI LOGO! – Ela berrou.
Arregalei os olhos e bati a porta com força quando saí. Dei um urro histérico quando ouvi risadas vindas de dentro da sala. Sentei-me na escada e escondi o rosto. Não precisou de cinco minutos para que a porta da sala se abrisse outra vez. Ouvi passos acelerados.
“Velha metida!”, eu pensei.
— Emily! Você não tem juízo?! – Dominic se sentara ao meu lado.
— Não suporto isso! Essa… “dona” gosta de me humilhar! - Reclamei, o maxilar trincado.
Ele segurou meu rosto pelo queixo.
— Sabe o que arriscou por minha culpa? – Ele lançou-me um olhar compreensivo.
— Por sua culpa?! Não! De jeito algum! – Eu sacudi a cabeça rapidamente.
— Pra quem ia entregar o bilhete? – Ele me olhou nos olhos, a cabeça abaixada e um sorriso torto de enlouquecer a qualquer garota!
Não respondi, só desviei os olhos. Aquela perfeição toda me intimidava.
— Que foi? – Ele se afastou um pouco.
— Nada… É que eu me sinto tímida comparando-me a você… – Eu fui sincera e enrubesci.
— Por quê? – Ele realmente não entendia.
— Você é lindo! – Eu disse, em tom de obviedade.
Ele riu e baixou a cabeça, corado.
— Desculpe… – Ele murmurou baixinho. — Mas a única coisa linda aqui é… você… – Ele sorriu, seus dentes brancos reluziam.
— Eu? Ah claro! – Eu ri.
Ele forçou um sorriso.
— Desculpe. – Fechei a cara ao ver que ele não gostou da piada.
— Eu falo a verdade. Você é linda mesmo, tão linda que nem sequer o sol competiria com o brilho dos seus olhos… Ou a lua com a luz do seu sorriso… – Ele fitou cada cantinho do meu rosto.
Não consegui dizer nada. Estava hipnotizada com seus gestos, suas palavras, seu encanto por completo.
Ele mordeu o lábio e virou o rosto para a porta.
— Tenho que voltar. Ninguém demora tanto assim pra beber água. – Ele sorriu.
Eu ri também. Ele pôs uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e se aproximou de mim bem devagar. Só suspirei, nervosa, e fechei os olhos.
Sorri ao sentir um beijo doce no alto da testa. Ele se afastou alguns centímetros de mim e encontrou com os olhos, o meu olhar. Nunca veria nada como aqueles olhos antes.
Aproximei-me de seus lábios bem devagar.
— O QUE É ISSO! – A professora fez um alvoroço.
Olhei para ela e fiquei rubra.
— Ela não tem culpa, senhora Garett! Eu sou o culpado de tudo isso! Juro! – Dominic estava mais nervoso do que eu.
— Vi muito bem o que houve! Ninguém precisa me esclarecer nada aqui! Já pra diretoria, os dois! – Ela apontou.
Os alunos da minha turma de física correram para porta. Todos se amontoaram, queriam ver o porquê de tanto escândalo, mas creio que perderam tudo.
Chegamos na diretoria. Eu estava nervosa, tamborilando os dedos sobre o jeans claro da calça.
— Emily… – Dominic se aproximou de mim; seu olhar de amargura não escondia a dor e a culpa que sentia. — Me desculpe! Sei que nunca vai me perdoar por isso, mas me desculpe. – Ele quase chorou.
— Dominic! Pare com isso! A culpa não é sua! Tudo começou por minha causa! Não tinha que ter me imposto à professora!
— Não, Emy, desculpe! Sinto-me culpado… Inteiramente culpado! – Ele me abraçou.
A professora vinha depressa; os sapatos de salto alto estalando no piso do corredor. Ela entrou na sala da diretoria, nos olhou de cima para baixo, do alto da cabeça até a ponta dos pés. Seu olhar era repugnante! Ela comentou alguma coisa com a diretora que abriu a boca e a cobriu com a mão.
— Deve ter exagerado, só pode… – Sussurrei para Dominic.
Ele assentiu calado. A professora voltou, parou diante de nós e, com a cabeça, nos mandou entrar na sala.
— Sentem-se, senhorita Anders e senhor D’mitri. – A diretora foi ríspida.
Sentamos e ficamos calados, com vergonha.
— Começando por você, senhorita Anders. Fiquei sabendo de algumas atitudes que não esperava, vindas de você. – Ela cruzou os dedos diante do rosto.
— Perdão, senhora Dinning. Não foi a intenção, meu impulso falou mais alto! – Eu escondi o rosto.
— Emily… – Ela suspirou e tirou os óculos. — Imagino que não tenha feito propositalmente, mas deveria controlar um pouco mais seus nervos. – Ela disse, a voz suave e compreensiva.
Ela pôs novamente os óculos enquanto falava.
— Infelizmente terei que lhe dar um bilhete, avisando seus pais desse fato. – Ela escrevia o tal bilhete, sua caligrafia era muito bonita.
Dominic estava rígido sentado ao meu lado, parecia uma estátua de vidro.
— Senhor D’mitri… – Ela o fitou. — O que exatamente aconteceu? Por que está aqui? – Ela o encarava firmemente nos olhos.
Ele abriu a boca para falar e eu o interrompi.
— Na verdade, senhora Dinning… – Eu corei. — A culpa foi minha eu… – Minha boca se imobilizou.
— Você…? – Ela me incentivou a prosseguir, porém minha boca não se movia.
— Ela não fez nada, senhora Dinning. A culpa é minha. Eu… eu tentei beijá-la… foi… um erro… – Ele baixou a cabeça e por fim, consegui mover meus lábios, mas já não havia mais nada a dizer.
O silêncio bailou pela sala, ninguém disse nada até a senhora Dinning interromper o silêncio.
— Ok… Sabe das regras, não sabe, Dominic? – Ela disse, concentrada no que escrevia.
— Sim, eu sei. Prometo que não farei mais isso, senhora Dinning. – Ele a encarou fundo nos olhos.
Notei que, como eu, a professora ficou sem reação – também deveras, aquele olhar acabava com qualquer neurônio humano!
Ela desviou os olhos rapidamente e nos entregou os bilhetes devidos.
— Tragam assinados amanhã. – Ela disse rígida.
Saímos da sala. Eu, tentando entender o que se passara; ele, rindo, sabe lá do que.
— Dominic, por que disse que a culpa era sua?! Não disse que eu assumiria tudo? – Eu parei na frente dele.
— Não podia deixar que assumisse algo que não fez. – Ele me ignorou e contornou meu corpo, passando ao meu lado esquerdo.
Corri e toquei seu ombro. Ele parou.
— Você não existe… – Eu ri.
— Quem sabe… – Ele sorriu um riso extraordinário.
Senti que meus pulmões já estavam sem ar e não conseguia respirar. Fechei os olhos e cambaleei. Ele me segurou rapidamente.
— O que foi? – Ele murmurou baixinho, bem perto do meu ouvido.
— Nada… Eu é que sou boba… Fico tonta por nada… – Pus-me de pé novamente.
Ele acenou negativamente com a cabeça enquanto ria.
— Você ri de tudo! – Eu sorri.
— Acho uma graça quando você fica assim… – Ele olhou para mim.
— Assim? – não havia notado, mas estava rubra.
— Amo sua corzinha quando fica tímida. – Ele tinha um sorriso apenas nos cantos dos lábios, uma coisa enigmática, misteriosa.
— Se eu for falar o que eu amo vou ficar aqui para sempre, repetindo uma só frase… – Eu disse quase inaudível.
— Eu tenho tempo… – Ele já estava novamente bem próximo a mim.
Num reflexo rápido dei dois passos para trás e já estava rubra novamente.
— Calma, não vou fazer nada. – Ele ergueu as mãos na altura dos ombros.
— Eu sei. Só quero me prevenir. – Eu assumi uma feição séria.
— Ok… – Ele baixou a cabeça e sorriu timidamente.
Subi as escadas rapidamente, tropecei no segundo degrau, mas, antes que caísse, fui segurada por Dominic, que, há pouco, estava atrás de mim.
— Incrível! Como você consegue ser tão rápido?! – Eu me abismei.
— Eu… ganhei todas as maratonas escolares… corri bastante quando era criança. – Ele sorriu, pondo-me de pé novamente.
Olhei para ele, impressionada por suas habilidades. Como um jovem tão novo podia fazer tanta coisa ao mesmo tempo!
— Deveria se cuidar. Quem sabe se não fosse tão apressada não precisaria tanto de mim… – Ele brincou.
Pensei em falar que não precisava dele, o que era mentira, então fiquei quieta. Ele riu baixo.
— O que foi? – Eu estava rubra.
— Você não vive sem mim! E não diga que é mentira! – Ele piscou para mim.
Travei meus passos antes de entrar na sala. Como ele sabia disso?! “Esse garoto tem algo de especial…” eu pensei.
Ele assentiu com a cabeça enquanto olhava para mim, travada feito uma mosca tonta.
— Entra. – Fui ríspida.
Entramos na sala e nos sentamos em nossos lugares. O sinal tocou e já nos levantamos novamente.
— E aí? Como foi? – Ângela se aproximou de nós.
— Pergunte a seu irmão, por que, até agora eu não entendi! – Eu ri.
Ela encarou o irmão, virando-se rapidamente para ele.
— O que foi? – Ele torceu a face.
Ela revirou os olhos e suspirou. Andou uns passos à frente e passou por ele.
— Essa sua presença… – Eu a ouvi dizer, quase inaudível.
— Presença? – Repeti para confirmar.
— Huh? – Ela se virou para trás rapidamente. — Demência, Emily. Geralmente digo que o Dom é demente! – Ela riu.
— Ah, tá! – Eu ri junto.
Dominic sorriu e revirou os olhos.
Ângela estava entre mim e o irmão. Puxei-a pela mão rapidamente.
— Ângela, me ajuda! Esse garoto tá me fazendo pirar! – Eu estava apavorada.
— Quem? Por quê? – Ela pareceu não entender nada.
— Seu irmão! Parece que sabe o que se passa na minha cabeça, corre muito mais rápido que eu; ele consegue fazer com que os outros, incluindo eu, façam tudo que ele quer… – Eu estava estupefata com tanta coisa que Dominic podia fazer.
— Dominic foi campeão de muitas maratonas escolares, Emy. Fica calma! Ele treinava muito, é por isso que corre tão rápido. E quanto ao fato de conseguir com que os outros façam tudo o que quer, ele tem… uma persuasão a mais… – Ela parou e refletiu. — Realmente não sei de onde vem… – Ela espremeu os olhos prateados.
— Como ele sabe o que estou pensando? – Eu estava concentrada nesse fato!
— Eu também não sei… Parece analisar as feições dos outros, juntando com frases que disseram… talvez. Eu também acho isso impressionante! – Ela sorriu magnificamente.
Assenti, calada, e sorri.
— Vamos comigo pegar meus livros? – Eu apontei pro meu armário, que não estava muito longe dali.
— Claro! – Ela sorriu. — Dom! – Ela gritou para o irmão, que conversava com alguns colegas e, ao ouvir, virou-se e andou até nós.
Fitei-o com cara de boba. Aquele andar não era simplesmente um andar comum… Parecia um príncipe! Era incrível como ele podia ser tão… perfeito!
— Ahm… Emily…? – Ângela cutucou de leve meu ombro, fazendo-me voltar a mim.
Os dois começaram a rir ao ver minha reação. Revirei os olhos e ri também. Fomos até meu armário. Eu guardei meus livros, pois a aula já estava no fim, depois de muito tempo passado. Aquele dia fora o que passei mais tempo fora da sala de aula, o que não faria diferença, pois eu e os D’mitri éramos os mais dedicados da turma.
Depois de ter guardado meus livros, virei-me para Dom e Andy. Ângela segurava os cadernos nas mãos e Dom estava escorado numa pilastra no meio do corredor, sem material nenhum, me encarando como se dissesse “olha! Eu sou incrível! Já guardei meus materiais tão rápido que você nem viu!”. Fiquei realmente abismada com sua velocidade, mas tentei não aparentar.
Eu e Ângela fomos até o armário dela; ela guardou os livros e fechou delicadamente o armário.
— Então… respondendo ao bilhete que foi pego das minhas mãos… Ah esqueci! Nem sequer chegou a vocês! – Eu me calei e sacudi a cabeça.
— É… Mas se você disser o que tinha nele talvez seja mais fácil. – Ela sorriu.
— Convidei os dois para almoçar comigo… na minha casa… vocês topam? – Eu estava meio sem jeito.
Ângela e Dominic responderam simultaneamente: “sim!”, “não.”.
— Por que não Dominic? – Ângela inclinou a cabeça para olhar para o irmão.
— Por que eu ia convidar primeiro! – Ele sorriu torto.
— Mas… não vou incomodar? – Eu realmente não queria atrapalhar ninguém, mas minha vontade era dizer que sim de cara.
— Claro que não, você sabe. Meus pais adoram você. – Ângela respondeu.
— Bom… então… nesse caso… Vamos lá. – Eu encolhi os ombros.
Eles sorriram. Fomos para frente da escola. Um lindo carro vermelho nos esperava, com um rugido feroz vindo do motor, parecendo muito veloz.
Parei diante da porta e olhei para o lado interno do carro, através do vidro fumê. Andrews acenou para mim, sorrindo. Eu acenei de volta, tentando sorrir lindamente como ele, numa falha tentativa.
Afastei-me do carro, Dominic abriu a porta traseira para mim.

— Por favor. – Ele estendeu a mão em direção à parte interna do carro, sorrindo maravilhosamente, tal como o pai.
— Obrigada. – Curvei a fronte de leve, sorrindo.
Sentei-me e Dominic fechou a porta,
suavemente. Nem precisou de força pra fechar o carro. Ângela abriu a porta e entrou rapidamente, sorridente como sempre.
Dominic abriu a porta da frente e sentou-se. Qualquer gesto simples que ele fizesse tornava-se uma dança, pela harmonia com que eram realizados.
Rapidamente chegamos à mansão dos D’mitri – Nem havia como chamar aquele belíssimo recanto de casa! Andrews parou o carro diante de um muro de tijolinhos à vista. Dominic desceu rapidamente, abriu a porta para a irmã, que saiu aos pulos de dentro do carro, e, em seguida, para mim. Senti-me desconfortavelmente feia entre eles.
Saí vagarosamente de dentro do carro. Fiquei parada ao lado de Dominic, meio tímida e com medo de seguir Ângela. Andrews chamou o filho e disse algo para ele, mas não pude ouvir. Apenas vi que Dominic assentiu sério após olhar rapidamente para mim.
Andrews acelerou e seguiu pela estrada, veloz como uma flecha vermelha. Dominic sorria torto enquanto via o pai sumir de nossa visão.
— Vamos? Mamãe deve estar esperando com alguma coisa pronta. – Ele baixou a cabeça e sorriu.
Deu alguns passos a minha frente e abriu o portãozinho para mim. Em seguida, retornou ao meu lado. Entramos na casa. Era divina! Parecia ter sido esculpida por seres celestiais. Logo que entrei na porta de madeira nobre, vi janelas por todos os lados no final de um corredor, com cortinas muito elegantes de veludo vermelho sobre algumas delas. Havia duas escadas, ao fundo da sala enorme. Entre as escadas havia mais outro cômodo. Dominic puxou minha mão até o cômodo entre as escadas.
Era a cozinha. Reconheci pelo barulho, antes mesmo de chegar. Ângela estava conversando com a mãe enquanto a ajudava a por a mesa.
— Vem Emily! – Ângela correu por um corredor meio escondido quando a sala virava para a esquerda em forma de “L”.
Passamos por uma pecinha pequena, não fechada com paredes, mas havia janelas e plantas suspensas, flores lindas sobre mesas de canto. Viramos uma porta a esquerda. Era um banheiro.
Ângela lavou as mãos rapidamente e as secou na toalha branca pendurada ao lado da pia. Deu uma olhada na própria aparência no espelho do enorme balcão da pia de porcelana.
Lavei as mãos também e voltei para a cozinha. Enquanto voltava, notei alguns retratos antigos. Tinham os mesmos olhos, os mesmos traços perfeitos que os D’mitri. Eram seus tataravôs, quem sabe… Andei vagarosamente, meio insegura, pra perto da mesa.
Reconheci de longe o cheiro de uma deliciosa lasanha de frango com queijo. Mas engana-se quem pensa que era só isso! Além da lasanha, tinha também torta de batatas. Parecia delicioso! Me deu água na boca só de olhar.
— Sente-se minha querida Emily. – Rose Mary disse docemente enquanto se assentava também.
Esperei que todos se sentassem, não queria tomar o lugar de ninguém. Rose Mary sentou-se na ponta da mesa, a sua direita estava Dominic e a esquerda, Ângela. Sentei-me ao lado de Ângela, onde me senti muito à vontade.
Ouvi um barulho de chaves vindo da sala.
— Rose Mary, os sombrios… – Andrews já vinha falando da sala, mas se interrompeu ao olhar para mim, com uma feição tensa.
Pairou um silêncio sobre o recinto. Sorri timidamente para Andrews.
— Emily. Perdoe-me… pela falta de educação. Não sabia que iria… almoçar conosco hoje. – Ele adentrou a cozinha, passou pela mesa e entrou no corredor que eu entrara há pouco.
Andrews voltou, logo em seguida, e se sentou na outra ponta da mesa, a minha esquerda. Esperei que todos começassem a comer, o que não acontecia.
— Primeiro as visitas. – Ângela sorriu.
— Não… Fiquem à vontade. – Eu estava, ainda, meio tímida.
Andrews serviu-se primeiro e foi seguido dos outros. Espantei-me pela quantia de comida que puseram no prato. Era pouca comida para adultos, e, até mesmo jovens como os dois irmãos. Então, pra não passar vergonha, coloquei uma pequena porção no prato.
Pus o primeiro pedaço na boca e não consegui por o segundo. Simplesmente travei.
— Emily, algum problema? – Ângela murmurou para mim enquanto os outros comiam.
— Não. – Eu disse quando consegui engolir. — É que está quente. Esqueci disso. – Eu ri.
Os outros riram também. Fiquei levemente corada. Continuamos comendo e conversando. Eram três horas quando terminamos de comer.
— Nossa! Nunca passamos tanto tempo à mesa! – Ângela riu.
Os outros concordaram com ela assentindo e sorrindo. Rose Mary levantou-se e começou a recolher as coisas da mesa. Levantei-me imediatamente e ajudei também. Pus os pratos organizadamente dentro da máquina de lavar e Rose a programou para lavá-los.
— Venha, Emy. Deixe-me apresentar a casa pra você. – Dominic me chamou enquanto saía da cozinha.
Andei rapidamente até ele, Ângela veio atrás de mim. Olhei ao meu redor; a sala era realmente enorme! Observei alguns quadros nas paredes, as janelas lindas, com vidros limpos e translúcidos.
Dominic pegou minha mão e me guiou até um cômodo a direita no corredor que eu entrei; era uma salinha de jogos.
— Raramente venho aqui. Prefiro ficar lá em cima tocando. – Ele fitou a sala toda enquanto falava.
Assenti calada. Ele me puxou para uma porta bem à frente da porta que saímos.
— O… quarto dos meus pais. – Ele só pôs a cabeça para dentro do quarto; fiz o mesmo.
— É lindo. – Eu estava admirada.
Ele me levou até o andar de cima. Logo que cheguei, dei de cara com um aquário com vários peixinhos coloridos, muito bonitos.
— Vem. – Ele estava entrando em uma porta à esquerda.
Passamos por uma sala cheia de troféus e esculturas.
— Eu disse que fui campeão de muitas maratonas. – Ele riu, prepotente.
— É, você disse sim… – Eu sorri torto.
Entramos em um quarto, muito bem arrumado.
— Meu quarto. – Pude ver que ele estava nervoso, talvez por achar que eu não acharia seu quarto legal, ou algo assim.
— Incrível. Hoje em dia não vejo muitos garotos organizados. – Eu ri.
Ele riu também. Entrei no quarto e sentei na cama.
— Muito macia. – Eu ri.
Ele se sentou ao meu lado.
— É… – Ele deu saltos sobre a cama, ainda sentado.
Notei que meio afastado do resto havia um rádio.
— O que você estava escutando? – Apertei um botão que fez com que a “gavetinha” do CD descobrisse um CD de músicas clássicas.
— Gosta? – Ele se pôs ao meu lado.
— Se você tocar, sim, eu gosto. – Eu sorri timidamente.
Ele me fitou, em silêncio. Mexeu no meu cabelo e me puxou de volta pra sala de troféus. Voltamos pro corredor dos peixinhos coloridos. Em seguida entramos em uma sala onde havia alguns aparelhos de ginástica e um telescópio de frente pra janela.
Soltei a mão dele rapidamente e fui ver a visão do telescópio. Mirava pra uma floresta. Afastei-me ao ver que não havia nada de interessante. Voltei a segurar a mão de Dominic.
Entramos em outra porta. Havia plantas de espécies múltiplas, flores, bonsais, xaxins, samambaias.
— Coisa da Ângela. Ela é muito parecida com a mamãe, incrível! – Ele riu enquanto passávamos por outra porta.
Era outro quarto, provavelmente o de Ângela. Carpete vermelho no chão, tudo muito delicado e organizado.
— Lindo! Esse quarto humilha o meu! – Eu ri.
Voltamos todo o caminho e chegamos, novamente, no corredor dos peixinhos. Entramos em uma porta entre as escadas.
Era uma sala enorme! Aos lados havia estantes de livros, bem diante dos meus olhos, um piano lindo! Havia mais um telescópio e uma mesa de xadrez.
— Minha peça favorita. – Dominic comentou enquanto se sentava na banqueta do piano.
Ele tocou uma música que eu já havia escutado em algum lugar.
— Conhece? – Ele estava concentrado nas teclas, mas permanecia sorridente.
— Já a ouvi em algum lugar… ­– Concentrei-me nas notas e tentei vasculhar na memória; sentei-me ao seu lado.
— Preste bastante atenção… – Ele tocou uma parte que eu já reconheci.
— Sua música no Transilvânia. A que você tocou na noite depois que eu cheguei… Claro! Como me esqueci disso… – Eu sorri.
— Exato. – Ele sorriu. — Lembro-me de ter visto você chegar… Lembro-me de ter pensado que não era alguém comum. Era uma garota especial. Minha música ficou mais harmônica quando você entrou naquele lugar. – Ele estava sério.
Mordi o lábio inferior e fiquei levemente rubra.
— Imagina… Você toca bem. Muito bem… – Pus uma mecha de cabelo atrás da orelha.
Ele parou de tocar, mas permaneceu rígido com as mãos sobre as teclas.
— O que houve? – Eu o fitei.
— Nada. – Ele se levantou. — Pensei ter ouvido alguma coisa.
Dei de ombros e me levantei também. Revistei a sala com os olhos e a estante de livros me chamou a atenção, não sei por quê. Andei até ela e me agachei. Peguei um livro de capa preta.
— Romeu e Julieta… Amo esse romance. – Eu disse, enquanto me levantava.
— Gosto deste também. – Dominic estava ao meu lado; já nem me assustava, acostumei-me com sua velocidade.
Agachei-me novamente para por o livro no lugar, mas Dominic me interrompeu.
— Deixa isso. Eu ponho no lugar pra você. – Ele pôs o livro na prateleira e se levantou rapidamente.
Ficamos nos encarando, como dois bobos. Ele mexeu novamente no meu cabelo. Acompanhei com os olhos, os movimentos suaves de sua mão. Seu dedo indicador deslizou sobre meu queixo. Fiquei rígida.
Senti algo vibrar no bolso de trás da minha calça.
— Caramba! Minha mãe! – Peguei o telefone, meio desajeitada.
— Mãe, desculpa! Eu estou na casa da Ângela. – Eu disse “Ângela” só pra ela não reclamar, dizendo que eu não deveria estar em casa de garotos.
— Não era pra você estar em casa essa hora, mocinha? Já são quase quatro! – Ela esbravejou.
— Ok, mãe, ok… Eu já sei disso! Estou indo. Fica tranquila, já, já estou em casa, tudo bem? – Eu tentei ser amável, mas ela já havia desligado o telefone.
Desliguei o telefone e o coloquei dentro do bolso novamente.
— Ela está bem furiosa, não é? – Ele preocupou-se comigo.
— Ah… ela sempre fica assim… Vai ficar tudo bem, sei domar essa fera há dezessete anos. – Eu ri.
Ele riu e saímos da sala, de mãos dadas. Descemos as escadas e novamente interrompemos a conversa.
— Roh, isso é importante! – Andrews parecia tenso.
— Eu sei, mas… – Rose Mary interrompeu-se ao ver que eu estava presente.
— Eu… já vou indo, senhora D’mitri. – Fiquei desconcertada por ser sempre a “intrometida”.
— Fique mais um pouco, Emily. – Ela se levantou do sofá onde estava.
— Não… Não posso, minha mãe está nervosa por que não estou em casa ainda. – Expliquei séria.
— Oh, entendo. É melhor você ir. Vai que não pode voltar, hmm? – Ela sorriu. — Ângela lhe acompanha até a porta.
Olhei ao redor, mas não a vi.
— Ângela! Venha a cá! – Rose chamou-a.
Ela vinha descendo as escadas correndo com uma caixa em mãos.
— Sim, mãe? – Ela parou ao meu lado.  — Ah! Emy, isso é pra você. – Ela me entregou a caixa.
— Obrigada, Andy. – Agradeci simpática.
— Leve Emily até a frente. Ela tem que ir. – Rose disse educadamente.
— Vou junto, se não se importar, Emily. – Dominic me fitou tranquilamente; não havia como negar e nem o faria!
— Não… Não me importo, não. – Eu sacudi a cabeça algumas vezes para voltar a mim.
— Ótimo. – Ele sorriu magnífica e divinamente.
Sorri de volta. Andamos até a porta, Ângela, Dominic e eu.
— Espero que goste do seu presente, Emily. – Ângela me abraçou forte, quase me deixando sem ar; senti minhas costelas quase trincarem.
— Ân… Âng… ÂNGELA! – Eu me afastei dela. — Por pouco você não me mata! – Eu ri, meio sem fôlego.
— Oh! Desculpe. Não foi a intenção. – Ela cobriu a boca, os olhos prateados arregalados de espanto.
— Eu sei que não. – Eu sorri, tentando deixá-la mais tranquila.
Ela sorriu de volta para mim.
— Até amanhã…? – Me aproximei de Dominic.
— Com absoluta certeza, se eu não morrer. – Ele sorriu maliciosamente.
— Morrer?! Não repita isso nunca mais, ouviu! – Eu levei a sério.
— Claro! Eu poderia morrer se ficar muito tempo longe de alguém que me faz tanto bem assim… – Ele mordeu o lábio e baixou a cabeça.
Ri de leve e baixei a cabeça.
Afastei-me dos dois. Bastou eu dar três passos. Parei em seguida.
— Pensa que vai sozinha, Emily? – Dominic estava atrás de mim.
— Era de se esperar que não. – Eu ri baixo.
— Andy, diz pro Andrews e pra Rose que fui levar a Emy em casa, tudo bem? – Ele disse pra irmã que entrava na porta da frente.
Ela acenou em sinal de OK e entrou.
— Vamos? – Ele estendeu a mão para o caminho a frente de nós.
Fomos pelo caminho conversando e conversando, falando sobre música, recordando nossos tempos no Transilvânia Hotel e no hotel abandonado ao lado dele – e eu com a caixinha que ganhara de Ângela sob o braço.
O tempo passou tão rápido que não vi que já nos aproximávamos da minha casa.
— Acho melhor você se apressar. Sua mãe pareceu estar nervosa no telefone. – Ele sorriu de leve.
— É… Mas ficarei muito magoada com você se não entrar! – Puxei-o pela mão, fria, contrastando com a minha.
Ele não teve escolha. Paramos na soleira, eu abri a porta e pus só a cabeça para dentro da sala.
— Mãe? – Eu chamei.
Ninguém respondeu. Abri a porta e puxei Dominic pela mão.
— Acho que está no quintal… ou lá em cima. – Eu me sentei no sofá, ele imitou meu ato. — Pode me esperar aqui? – Levantei-me, mirando a escada.
— Claro. – Ele acomodou-se no sofá.
Sorri e subi as escadas correndo. Entrei no meu quarto, minha mãe não estava lá. Atirei a caixa em cima da cama e corri até o quarto da minha mãe. Ela estava sentada na cama, olhando umas fotografias antigas, acho que eram do casamento dela.
— Mãe. Desculpe o atraso. – Sentei-me com ela na cama.
— Viu que horas são? – Já sabia que quando começava assim, ia terminar em péssima coisa, alguém chorando; mais provavelmente EU.
— Mãe… Eu estava distraída, não vi a hora passar! – Eu estava tentando falar o mais baixo possível, para não alertar Dominic.
— Por que está sussurrando? Tem alguém lá embaixo? – Ela se levantou e já ia saindo do quarto.
— Mãe para! Por favor, se acalma. – Corri atrás dela.
Era tarde demais. Minha mãe já tinha descido as escadas e encarado Dominic com um olhar fulminante. Ele, por sua vez, retornou a “ameaça visual de morte” da minha mãe com um olhar persuasivo e misterioso. Sorri torto quando olhei, mas não notei que minha mãe me olhou logo em seguida.
— Emily… – Ela disse ríspida.
Desci as escadas rapidamente.
— Mãe. Esse é o Dominic, lembra? Irmão da Ângela. Eles são meus colegas. – Apresentei, tensa.
— Bem que no lugar dele poderia estar sentada ali a Ângela, não? – Ela o encarou de cima a baixo.
— Mãe, por favor… – Cobri metade do rosto com a mão direita.
Ela suspirou e subiu as escadas, parecendo mais calma.
— Sua mãe… não gosta muito de mim, não é? – Dominic torceu a cara.
— E alguém que goste de outra pessoa a trataria assim? - Suspirei e me joguei no sofá.
— É… Eu acho que não. – Ele riu baixo.
Não resisti e ri também.
— Me responde uma coisa, Dominic. – Eu me levantei de onde estava e me sentei ao seu lado.
— O que você quiser. – Ele sorriu.
— Com quantas garotas já namorou? – Fiquei meio desconcertada.
— Hmm… – Ele alisou o queixo. — Uma apenas. – Ele respondeu convicto.
— E terminou por que motivo? – Eu comecei a ficar curiosa.
— Digamos que eu e ela… éramos bem… distintos. – Ele procurava palavras.
— Pode esclarecer? – Fitei-o nos olhos, o que me prendeu totalmente.
— Bem… – Ele suspirou, mantendo meu olhar preso com o dele. — Ela era uma ótima pessoa, mas… – Ele parou.
— Mas? – Incentivei.
— Mas… algo aconteceu e… ela não aceitou… e tive que terminar com ela. – Ele desviou os olhos.
— Desculpe. – Eu me encolhi.
— Imagina… Você só queria saber, não é? – Ele permaneceu sério.
— Não… É sério… se eu soubesse que isso lhe incomodava eu nem sequer perguntaria. Mesmo! – Eu segurei suas mãos frias. — Você… está com frio? – Eu estranhei a temperatura de suas mãos, sendo que o termômetro na parede da sala indicava vinte e cinco graus Celsius.
— Não. Por quê? – Ele puxou as mãos rapidamente.
— Sua mão… está gelada. – Dei de ombros.
Ele não disse nada. Só fechou os olhos e os abriu rapidamente e fitou o termômetro.
— Me responde outra coisa. – Minha curiosidade estava a mil!
— Diga. – Ele me fitou delicadamente nos olhos.
— Que fim levou… o resto daqueles sujeitos malucos que me atacaram? Por que um eu sei que está solto por aqui. Ah! E a loira também. – Estremeci.
Ele emudeceu e pareceu ainda mais tenso que eu em tocar no assunto.
— Dominic? – Toquei-o de leve.
— Sabia que Roney estava aqui, mas não sabia de Nancy. – Ele murmurou.
— Sabia que aquele cara estava aqui?! – Quase gritei.
— Emily, eu tenho que lhe contar uma coisa. – Ele estava apavorado.
— Diz logo! – Eu estava ainda mais apavorada que ele.
— Emily! – Minha mãe me chamou do andar de cima.
— ARGH! – Urrei e corri escada acima.
— Emily, mande esse garoto embora, antes que eu faça isso, mas de um modo bem diferente! – Minha mãe estava nervosa enquanto arrumava o guarda-roupa no quarto dela.
Bufei e desci as escadas correndo.
— Dominic, acho melhor você ir. Minha mãe quer te matar. – Ergui uma sobrancelha só.
— Então tá… nos vemos amanhã… – Ele puxou meu braço e me deu um beijo na testa, tudo muito rápido.
Só consegui ver que ele saiu pela porta da frente a passos velozes. Tentei segui-lo, mas ele já tinha sumido, provavelmente correu pra casa antes que minha mãe resolvesse dar um tiro nele.
Entrei, minha mãe já estava sentada no sofá, de pernas e braços cruzados, olhando para mim com cara de quem ia me dar um castigo.
— Esse garoto está fazendo você perder a hora em casa. Não gosto nem um pouco disso. – Ela desarmou a pose severa descruzando os braços.
— Mãe! Não é ele! É que… ele estava me mostrando a casa dele e, acredite, não é pequena. Demorou bastante até almoçarmos, eles comem devagar, tem bastante argumento pra eu ter me atrasado. – Sentei no sofá, de frente para ela.
— Gosta dele, Emily? – Ela me encarou nos olhos, mas não tinha a mesma persuasão que ele tinha.
— Claro que gosto. Ele é meu amigo. – Dei um tom de obviedade e não estava mentindo.
— Emily, eu perguntei se você está apaixonada por esse garoto. Sim ou não? – Ela inclinou-se para frente, a franja caindo sobre os olhos.
Fiquei quieta, pensei e respondi:
— Ainda estou pra descobrir. – Levantei-me e subi as escadas.
Joguei-me em cima da minha cama e bati com a cabeça no presente que a Ângela havia me dado.
— O presente da Ângela! Esqueci-me de abrir! – Levantei-me e peguei a caixa.
Quando abri eu sorri torto e ri baixo.
— Ângela, Ângela… Só você pra me dar um cachorro. – Eu ri do meu próprio comentário.
Era um cãozinho de pelúcia rosa, que segurava um coração escrito “My Best Friend”. Peguei o bichinho e o apertei contra o peito, era muito fofinho. Ajeitei o cachorrinho em cima do criado mudo, ao lado do porta-joias – ganho do meu pai – que guardava meu colar “musical” – que ganhei de Andy.
Olhei pra caixa outra vez e havia, no fundo, um envelope quadrado e preto. Peguei cuidadosamente o envelope e abri. Tinha um cartão e um CD.
No cartão estava escrito:
“A minha sorte foi ter achado alguém como você. Uma pessoa tão especial merece o mundo, mas não ia caber dentro desse envelopezinho, então achei que iria gostar de lembrar-se de mim *risadas*. Mas agora, falando sério, você é uma pessoa incrivelmente admirável, é linda e merece ser muito feliz. Com carinho, Dominic”.
Quase enfartei quando li o cartão. A caligrafia era de dar inveja, nem se comparava a minha. Voltei a abertura do envelope para minha mão e o CD rolou. Peguei-o delicadamente para não quebrá-lo. Pus no meu rádio e deixei tocando, enquanto me deitava na cama.
As músicas todas me eram familiar. Ele gravou as músicas que tocou pra mim e pôs no CD. A cada troca de faixa do CD, eu dava uma risada baixa.
Deixei o CD no rádio, tocando, e fui fazer minha lição de casa. Matemática, inglês, química, física. Tudo muito fácil. Depois de trinta minutos, eu terminei.
— Emily! – Minha mãe me chamou da cozinha.
Desci as escadas aos pulos, tranquila por ouvir as músicas que o Dominic tocou pra mim.
— Sim, mãe? – Me escorei no balcão da cozinha.
— Preciso da sua ajuda com o jantar, antes que seu pai chegue. Disse para ele que comemoraríamos vinte anos de casado com um jantar especial, mas acabei me envolvendo demais com o quarto lá em cima que me esqueci do jantar aqui embaixo! – Ela falava rápido enquanto picava cebolas e lacrimejava sem parar.
— Mãe! Deixa isso! Por que você não leva o papai naquele restaurante da cidade… aquele de… frutos do mar. – Eu sugeri.
— Claro! Ele adora aquele restaurante! Obrigada filha. – Ela largou a faca e as cebolas e deixou a água cair sobre as mãos na torneira da pia.
— Agora vai lá! Fique bem bonita pro papai! – Eu ri.
— preciso da sua ajuda pra escolher meu vestido. – Ela parou no meio dos degraus da escada e me chamou.
— OK. – Subi com ela.
Ela abriu o armário e me mostrou as opções: azul longo, verde água longo, branco curto, dourado longo, vermelho longo, preto curto, amarelo curto, pêssego longo, carmim curto, bordô curto.
— Qual deles? – Ela encarou os vestidos.
— O bordô. É perfeito pra uma noite romântica. – Eu dei uma piscadela pra ela.
— Ah! Perfeito! – Ela pegou o vestido e entrou no closet.
Saiu do closet, toda “poderosa”! Com as pernas lindas à mostra e o colo descoberto. Minha mãe é muito bonita.
— Acessórios? Sapatos? Cabelo? Maquiagem? – Ela riu.
— Ok! – Eu ri também. — Hmm… Sandália preta, aquele lenço vermelho ali e os brincos de pérola. Ou melhor: troque o lenço pelo corar, vai ficar melhor. – Fui apontando pra cada item.
Ela pegou nas mãos os itens que eu apontei e pôs cada um em seu devido lugar. Ficou realmente linda! O colar e os brincos deram um brilho especial e o bordô do vestido curto deu um toque de sensualidade numa “jovem” de 39 anos.
— Emily, eu acho que você é boa nisso então… pode me ajudar com o penteado? – Ela soltou os cabelos presos em um coque desajeitado.
— Claro, mãe. – Eu comecei a mexer em seus cabelos que encostavam as pontas em seus ombros.
Analisei bem cada ponto do cabelo e do rosto de minha mãe para ver o que ficaria melhor.
— Hmm… Já sei! – Comecei a revirar os cabelos dela. — Lembra daquele penteado que a Rose Mary fez no cabelo dela, quando saímos segunda-feira à noite? No parque de diversões? – Fui falando e abrindo a caixinha de presilhas e grampos.
— Sim, claro. Adorei o que ela fez no cabelo. – Ela riu.
— Acho que consigo fazer o mesmo. – Fui prendendo o cabelo parte por parte.
Dei os retoques finais no cabelo e até que ficou parecido, mas, logicamente, mais bonito.
— Mãe, espere. Fique sentada aí. Vou maquiar você. – Peguei o kit de maquiagem.
Apesar de básica, a maquiagem deu uma forma mais jovem no rosto já lindo de minha mãe. Ela já era bonita, quando se arrumava ficava ainda mais bela.
— Prontinho. – Mostrei um espelho pequeno para ela.
— Nossa! Você leva muito jeito, Emy. – Ela sorriu, tocando de leve os cabelos.
— Obrigada! – Sorri exageradamente.
— Acha que Anthony vai gostar? – Ela levantou-se e se olhou no espelho grande na parede.
— Claro, mãe! Você está lindíssima! – Eu a elogiei.
— Ah que ótimo! – Ela sorriu — Ai não! – Bateu na própria testa.
— O que foi? – Eu me assustei.
— As reservas! Eu esqueci. Não tinha isso planejado. – Ela suspirou, triste.
— Ah, eu tenho sorte pra isso. – Peguei o telefone sobre o criado mudo e a agenda telefônica na gaveta.
Disquei o número do restaurante, depois de bem pouco tempo, eles atenderam.
— Restaurante Ilha Marítima, em que posso ser útil? – Uma jovem me atendeu, tive a impressão de reconhecer sua voz.
— Gostaria de fazer reserva de uma mesa para duas pessoas. Um jantar romântico. – Eu murmurei.
— Para quem seria? – Ela perguntou.
— Anthony e Elisabeth Anders.
— Emily?! – Ela murmurou.
— Sim… algum problema? – Me espantei.
— É a Joy! – Minha colega da aula de inglês trabalhando no restaurante favorito do meu pai: Uma “mão na roda”!
— Joyce! Que bom que é você. Não teria como você conseguir reserva pra hoje? – Eu implorei.
— Hmm… Acho que tenho duas mesas disponíveis. Posso guardar uma pra eles, tudo bem?
— Nossa! Maravilhoso! – Eu sorri. — Para as oito, ok?
— Uma mesa para dois, marcada para as vinte horas. Reservado. – Ela foi simpática.
— Valeu Joy! Você é demais! – Desliguei o telefone.
Minha mãe estava a ponto de acabar com as unhas.
— E então. Conseguiu? – Ela estava nervosa.
— Sim! Por sorte, minha colega da turma de inglês é atendente. – Sorri.
— Pra que horas ficou? – Ela se levantou de imediato.
Antes que eu respondesse, ouvi barulhos de passos vindos da sala.
— Emily? Lisa? – Meu pai chegara.
Olhei para o relógio: 18h30min. Tinha tempo de sobra pra meu pai se arrumar.
— Aqui, mas não suba! – Gritei enquanto corria pra porta.
Desci as escadas correndo e puxei meu pai pela mão até o pé da escada.
— Mãe! Desça aqui, por favor. – Gritei.
Ela vinha descendo devagarzinho, toda elegante, segurando-se no corrimão da escada e equilibrando-se sobre o salto alto tamanho doze.
Meu pai ficou boquiaberto, eu ri, minha mãe sorriu e o abraçou.
— Feliz aniversário de vinte anos de casado. – Ela o beijou delicadamente.
— Nossa! Você está linda, Elisabeth! – Ele a rodopiou, segurando-a pela mão.
— Obrigada, meu bem. – Ela sorriu.
— Pai, rápido. Suba e se arrume. Reserva no restaurante Ilha Marítima para as vinte horas com direito a violino e tudo mais. Vai, vai, vai! Rapidinho! – Estalei os dedos.
Não demorou muito para que meu pai se arrumasse. Ele desceu as escadas, também todo elegante, cabelo bem ajeitado, barba feita, terno preto, muito elegante mesmo!
— Perfeito! – Eu murmurei alegre.
— E então…? Vamos lá? – Ele cedeu o braço para minha mãe se apoiar.
— Com certeza. – Minha mãe sorriu.
— Emily, cuide bem da casa enquanto estivermos fora e lembre-se: se cuide! Portas e janelas fechadas e nada de abrir pra quem você não conhece. Se o telefone tocar… – meu pai explicava as regras da casa quando o interrompi.
— …Anoto o recado. Já sei tudo isso, pai. Vai logo ou vai perder a hora! – Eu sorri.
— Tudo bem. Cuide-se, Emy. – Eles saíram pela porta.
Esperei o motor do carro rugir e a casa toda silenciar. Feito isso peguei o telefone e liguei pra Ângela.
— Andy? – Perguntei quanto ela atendeu.
— Emy! Bom falar com você. Precisa de alguma coisa? – Sua voz era harmoniosamente perfeita.
— Na verdade sim. Estou sozinha em casa… sinto falta de alguém comigo… Você poderia vir? – Eu estava meio sem graça.
— Hmm… É… Acho que sim. Pode me esperar?
— Claro! – Dei um pulo quando ela disse “sim”.
— Dom pode ir também?
Parei um pouco pra pensar. Hesitei.
— Pode sim… – Eu ainda estava insegura.
— Tudo bem. Estaremos aí em um minuto. Até mais. – Ela desligou.
Sentei-me no sofá e esperei. Ouvi alguém bater na porta logo que desliguei. “Mas já?!”, pensei.
Abri a porta, mas fechei logo quando vi que era certo sujeitinho sinistro e maluco que se dizia amigo dos meus pais, mas no fundo, queria me matar!
— O que faz aqui, seu… maluco! – Berrei enquanto me escorava na porta para mantê-la fechada.
— Acalme-se, jovem Emily. Só vim lhe visitar, minha querida. – Sua voz era sedutora; fui tentada a abrir a porta.
— Vai embora, Roney! – Gritei; eu já começava a suar as mãos.
— Emily, abre, por favor! Sou eu, o Derick. – Reconheci a voz mais jovem e despojada.
— Derick?! O que faz aqui? – Virei a face para a porta.
— Vim ver você… Não me avisaram que você tinha voltado pra cá.
Fiquei um tempo calada, desconfiada e temerosa.
— E então… Vai abrir ou não? – Senti um tom suave em sua voz.
Suspirei e abri a porta. Estavam somente Roney e Derick. Ouvi Roney rosnar como um cão.
— Roney, por favor, fique quieto. – Derick murmurou.
O moreno inexpressivo bufou e deu as costas para nós.
— Há quanto tempo não via esse rostinho. – Seus olhos vermelho-escuros refletiram a luz da sala.
— Pois é… – Eu estava introvertida; já provara que ele não era a pessoa certa para se confiar.
Escorei-me no batente da porta, trancando a passagem. Logicamente não deixaria um inimigo entrar no meu campo de batalha, mas o que me acalmava era saber que em poucos minutos não estaria sozinha com ele.
— Mas o que me conta de novo, Emm? – Ele se escorou na parede da frente da casa.
— Eu? Nada de mais… E você? – Nem sequer considerei a ideia de dar informações para ele.
— Tenho algumas… Como, por exemplo… eu mudei. O Roney não me impõe mais ordens. – Ele sorriu, todo imponente.
— Bom saber. – Fui ríspida.
— Não parece feliz em me ver. – Ele ficou sério de repente.
— E não estou. – Fechei a cara. — Você não gosta de mim, seus amigos também não, então não gosto de vocês.
— Emily, por favor. Eu já disse que mudei. – Ele se aproximou de mim.
Encostei em seu peito, evitando qualquer aproximação.
— Fica por aí. É melhor. – Desviei os olhos.
— Não acredita mesmo em mim. Dá pra ver no seu rosto… nos seus olhos! – Ele me encarou, seus olhos simplesmente perfuravam qualquer barreira que houvesse entre nós.
— O que me faria acreditar que você mudou? – Eu cruzei os braços e o encarei, séria.
Ele abriu a boca pra falar, mas foi interrompido.
— Vai embora daqui, Derick! – Ângela e Dominic já estavam ali; Ângela se impôs, sua voz era autoritária.
— Ângela… Senti falta da sua voz. – Derick virou-se para trás.
Ela fez uma cara de repulsa e revirou os olhos.
— Não ouviu? Ela disse pra ir embora. – Dominic se aproximava de nós, seus passos eram pesados e seu olhar era ameaçador.
Corri pra frente dele e o segurei.
— Dominic, fica calmo. Ele já está saindo daqui. – Eu encarei Derick enquanto falava com Dominic.
Escutei um rosnado baixo no lugar da respiração de Dom. Derick sempre o deixou furioso só por existir.
— Ok, mas só por ela. – Ele apontou para Andy.
Ela ergueu uma sobrancelha e o encarou de cabeça abaixada. Depois sorriu torto e sacudiu a cabeça.
Derick correu alguns metros e sumiu no escuro.
— Acho melhor a gente entrar, vai que o cara estranho ainda está aqui. – Alertei.
— Roney estava aqui?! – Dominic sussurrou, mas pude ouvir um grito por sob aquele murmuro tão suave.
— Sim, mas já foi. Derick pediu pra ele ir e ele foi. – Expliquei enquanto entrava.
Ângela entrou logo depois de mim, seguida por Dominic. Sentamos no sofá, cada um em uma ponta.
— Está mesmo sozinha aqui? – Ângela queria confirmar.
— Sim. Meus pais foram em um restaurante no centro da cidade.
— Dom me contou que sua mãe não gosta muito dele. – Ela torceu a face.
— É… Acho isso uma pena. Ela vai ter que se acostumar. – Eu ri.
Ângela riu também, mas não ouvi Dominic rir.
— Dominic… o que foi? – Levantei-me e me sentei perto dele.
— Ainda estou nervoso com essa história desses sujeitos estarem por aqui. – Ele fitou um ponto do chão.
— Ah… fica calmo. Eles não vão fazer nada com você. Está quase escrito na cara que vocês são muito mais… corajosos que eles. Vocês têm muito mais autoridade. – Tentei acalmá-lo.
— O problema não somos nós dois, Emy. Estou preocupado é com você! – Ele fitou meus olhos e segurou minhas mãos.
— Comigo? – Espantei-me. — Mas não precisa se preocupar. Vou ficar bem! Eu sei me cuidar, Dominic. – Eu sorri.
Ele me abraçou forte.
— Mesmo assim, continuo preocupado com você. Muito preocupado, por sinal. – Senti que ele estava realmente tenso com esse caso.
Acariciei com as costas da mão seu rosto e me levantei.
— Querem alguma coisa? – Eu andei até a cozinha.
— Não. Obrigada, Emily. – Ângela respondeu por ambos.
Abri o armário e peguei um pacote de pipocas para micro-ondas. Coloquei-o no aparelho e programei-o para o tempo certo.
Voltei pra sala. Ângela e Dominic estavam imóveis.
— Vocês não estão bem hoje, não é? – Eu achei estranho.
— Estamos, mas não somos de falar muito. – Ângela riu.
— É… – Dominic concordou, ainda sério, cravando os olhos no chão.
— Ah, Ângela, amei o cachorrinho. – Eu ri.
— Que bom que gostou. – Ela sorriu também.
— E… Dominic… adorei as músicas que você me deu no CD. Passei a noite inteira escutando ontem. – Eu sorri apenas com os cantos dos lábios.
— Que bom que gostou delas. – Ele me admirou; seu olhar era suave e harmonioso.
— Não há como não apreciar tão boa música. – Falei corretamente por instinto… ou vergonha de falar normalmente perto de alguém tão culto.
Eles me olharam e riram baixo.
— Não sei de onde “brotou” esse jeito de falar. – Eu ri de mim mesma.
Ficamos rindo por mais alguns instantes. Olhei o relógio: eram 22h50min.
— Nossa. Tá tarde. – Espantei-me.
— Acho melhor… – Ângela se pôs de pé, mas se sentou novamente quando ouviu o barulho da porta tentando ser aberta.
— Ai não, minha mãe! – Corri em direção a porta, mas voltei pra esconder Dom e Andy. — Vocês não podem ficar aqui! – Eu sussurrava gritando, se é que isso existe.
— Tá. E a gente faz o que? – Ângela estava ainda mais apavorada do que eu.
— Ai! Eu sei lá! Sobe, fica escondida, não sei! – Eu estava quase pirando.
— Emily? – Ouvi uma voz de mulher; minha mãe.
— Ai! Vão! Subam logo! – Agitei nervosamente as mãos.
Eles subiram as escadas correndo e encarando a porta algumas vezes. Andei até a porta e a abri, mas fui surpreendida por uma ruiva já conhecida, agarrando com força meu pescoço.
— Anders… Que bom te ver, pirralha. – Ella rosnou com sua voz extremamente igual à de minha mãe. — Lembra de mim, não lembra? – Sua voz já tinha mudado.
— Ella… – Eu disse, tentando recuperar o fôlego e soltar as mãos da ruiva do meu pescoço.
Ella estava acompanhada de Roney e Nancy, como sempre. O casal entrou e a ruiva continuou me segurando firmemente; meus olhos já começavam a embaçar.
— Onde eles foram? Cadê aqueles dois pirralhos?! – Roney gritava.
— Ai que droga! – Ouvi alguma coisa quebrar e Nancy reclamando.
Consegui dar um chute em Ella, mas não surtiu nenhum efeito, ela permaneceu imóvel.
— Pensa que vai conseguir me derrubar assim? – Ela riu maldosamente e me arremessou no chão.
Voei a uma velocidade muito alta e me choquei contra o portão da frente.
Ângela! – Eu gritei.
Só pude ver Dominic saltando pela janela do meu quarto como se fosse um gato ou algo assim, mas depois não vi mais nada.
Quando abri os olhos novamente, alguém acariciava meu rosto e meus cabelos. Consegui enxergar quem era vagamente.
— Dom…? – Mal conseguia falar.
— Shh. É melhor você ficar quietinha, vai ser melhor pra você. – Ele estava rígido.
— Onde está Ângela…? – Eu murmurava.
— Está segura. Está bem, ela está bem. – Ele começou a ficar cada vez mais tenso.
Levantei-me rapidamente. Ângela estava sentada no chão da sala, com a face escondida por um braço e pelos joelhos encolhidos.
Cambaleei até ela.
— Andy? – Caí de joelhos perto dela. — Está tudo bem?
Emily, é melhor se afastar. – Ela disse frigidamente.
— Não! Você não está bem, eu tenho que ajudar. – Encostei minha mão em seu braço.
— Emily! – Ela ergueu a face e rugiu, me encarando com seus olhos rubis, antes prateados.
Atirei-me para trás e me arrastei até Dominic, escondendo-me atrás de suas pernas.
— O que houve com ela? – Eu encarei Dom.
— Ela está bem, Emy. Fique tranquila. – Seus olhos também estavam vermelhos como sangue.
Levantei-me rapidamente e corri pra um canto longe dos dois.
— Ah, meu Deus! – Eu berrei.
— Emily, por favor. Perdoe-me. Não quis te assustar! Só não queria machucar você! – Ângela se levantou e deu alguns passos em minha direção.
— Fique aí! – Estendi a mão para que ela parasse de andar.
Ela parou. Dominic se levantou e se pôs ao lado da irmã.
— Emily, nós podemos explicar! – Dominic mantinha-se tranquilo, sua voz era doce.
Agarrei meus próprios joelhos e escondi meu rosto. Houve um silêncio na sala. Ouvi passos em minha direção.
— Emy… Por favor. Confie em mim. Olha pra mim. – Dominic tocou meus cabelos.
Descobri apenas os olhos. Ele me fitava docemente com seus olhos, agora prateados novamente, e com leves arranhões no rosto.
Joguei-me sobre ele num abraço forte.
— Fica calma. Isso vai se resolver. Eu vou te proteger, custe o que custar! – Ele me abraçou forte e beijou meu rosto.
— Dom, por favor, não deixe eles me matarem! Eu estou com medo! – Eu o abracei ainda mais forte e chorei.
— Shh… calma, eu estou aqui com você. Fica calma. – Ele sussurrava em meu ouvido, fazendo com que eu, aos poucos, me acalmasse.
A porta permanecia aberta. Quando olhei pra ela alguém nos espionava.
— Quem está aí? – Eu mirei a porta.
— Vai embora, infeliz! Já não basta por hoje? – Dominic continuava abraçado em mim, mas sua voz saía como um grunhido.
— Só vim ajudar. Pensei que ela ficaria feliz em me ver. – Reconheci a voz de Derick pelo tom soberbo.
— Derick… – Me afastei de Dominic e me levantei.
— Está tudo bem? Eles machucaram você? – Derick acariciou meu rosto.
— Não… não muito. Eu estou bem, mas acho melhor você ir. – Eu o encarei, seus olhos não estavam tão vermelhos como antes.
— Ella… – Ele baixou a cabeça e trincou o maxilar.
Olhei de canto de olho para Dominic, que estava nos encarando com a mesma expressão de fúria assumida por Derick.
Afastei-me de Derick ao ver que minha proximidade em relação a ele irritava Dominic.
— É… Foi Ella. Ela me agarrou pelo pescoço e me atirou longe, mas eu estou bem. – Expliquei rapidamente.
— Que bom que está bem. Fiquei preocupado. Essa mulher é meio maluca, não se pode esperar nada muito bom de um tipo desses. – Derick continuava com uma expressão de fúria, mas agora, um pouco mais branda.
Dominic segurou minha mão e me puxou para perto dele.
— Fique tranquila. Não vou permitir que nada lhe aconteça, tudo bem? – Ele encarava Derick com um olhar feroz, mas abraçado em mim.
Assenti com a cabeça, meu olhar mirava o chão.
— Dom… eu não quero interromper, mas acho que mamãe e papai ficarão preocupados se não estivermos em casa daqui a pouco. – Ângela olhou o relógio de pulso.
Ele me soltou e murmurou alguma coisa para a irmã. Mesmo que eu estivesse muito próxima a ele, não pude ouvir. A expressão de Ângela era amarga, parecia fazer algo a contragosto.
— Eu fico com a Emy. Sei lidar com os outros três. – Derick passou o braço por meus ombros; sua voz era realmente reconfortante.
Dominic fechou a cara, parecia um cão; rosnou, murmurou, mas deixou como estava.
— Não dá! – Ele voltou atrás com suas palavras.
— Dominic, por favor! Eu consigo me cuidar! Estou segura aqui com Derick. – Murmurei para não o irritar muito.
Ele suspirou e baixou a cabeça.
— Se não fosse… por ele… eu estaria mais confiante que você estaria segura! Mas… não há outra opção. – Ele falou entre os dentes apertados.
— Fica calmo. Qualquer coisa eu ligo. – Eu me aproximei dele e o abracei.
— Tudo bem. – Ele murmurou perto do meu ouvido. — Ah, Derick. Só pra lembrar: sei de tudo o que passa na sua mente. Então cuide bem dos seus pensamentos. – Ele o encarou com uma feição séria, porém com um leve toque de presunção.
Tentei fazer o possível pra não cair, pois minhas pernas se afrouxavam com qualquer expressão que Dominic fizesse.
Derick riu.
— Como se eu já não soubesse disso… – Derick murmurou e revirou os olhos.
Dominic rosnou baixo e deu dois passos em direção a Derick, mas foi segurado pela irmã.
— Vamos. – Ela disse em voz imperiosa.
Dominic se virou e saiu a passos apressados. Fiquei tentando entender o que Dominic quis dizer com “eu sei tudo o que passa em sua mente”, mas desisti quando nenhuma ideia me surgiu.
— E então. – Derick quebrou o silêncio. — Está tudo bem mesmo? – Ele se sentou no chão da sala, sobre o tapete.
— Sim, está. – Eu andei até a cozinha.
Deparei-me com uma jarra quebrada. Problema: era a jarra favorita da minha mãe!
— Ai que droga! Minha mãe vai me matar por causa disso! – Peguei um pote plástico e fui pondo os cacos maiores da jarra quebrada.
— O que foi, Emily? – Derick chegou correndo na cozinha.
— Ella quebrou a jarra favorita da minha mãe! Ela vai comer meu fígado! – Continuei juntando os caquinhos, mas um deles rasgou um pedaço da minha pele. — Ai! Mais isso pra ajudar. – Coloquei a mão sobre o corte pequeno.
Levantei-me e pus o pote com a jarra quebrada sobre o balcão da pia. Olhei para Derick; ele estava travado, me encarando com um olhar inexplicável.
— Derick…? – Me aproximei dele.
Ele começou a arquejar, cerrou as mãos em punho e baixou a cabeça.
— Emy, se tranca em algum lugar, rápido e agora! – Ele grunhiu.
— Mas por quê? Eles estão aqui outra vez? – Me apavorei e me aproximei mais dele.
Ele me fitou, os olhos vermelhos como quando o conheci. Dei alguns passos para trás em direção à sala. Ele lutava contra si mesmo. Sua respiração começou a ficar mais forte. Corri pra rua, o primeiro lugar que me veio à mente. Não adiantou muita coisa. Derick estava enlouquecido correndo atrás de mim, rosnando e tentando me agarrar de qualquer jeito. Ao mesmo tempo em que ele rosnava, dizia para que eu corresse mais.
Pra ajudar, minha falta de coordenação me fez cair enquanto corria. Fui me arrastando, sentada mesmo; qualquer coisa pra fugir daquilo – já nem era mais “daquele”.
— Derick para! – Eu tentei contê-lo, mas de nada adiantou.
Me encolhi, só esperando a hora em que eu morreria, atacada por um amigo que no momento não estava sóbrio! Fechei os olhos e baixei a cabeça, já pensando em últimas palavras: “Foi legal enquanto durou, mas agora eu vou morrer então, tchau pai, tchau mãe.”.
Ouvi um barulho, um estrondo muito alto, e Derick já não estava mais na minha frente. Olhei para minha esquerda, Dominic segurava Derick pelo pescoço, não era mais o mesmo.
Não vi quase nada, só que Ângela me pegou nos braços como se eu fosse uma pluma e praticamente voou comigo até um lugar que eu não fazia ideia de onde era.
— Fique aqui. – Ela me pôs sobre um tronco de árvore.
Eu não consegui dizer uma só palavra. Estava assustada com a leveza com que Ângela me pegou e com a ira de Dominic enquanto segurava Derick contra a parede.
Ângela correu muito velozmente pra bem longe de minha visão. Só o que vi foi um raio se afastando de mim. Ouvi estrondos, ruídos altos, batidas, gritos, rugidos, rosnados. Fiquei assustada e agarrei meus braços.
Dominic vinha vindo caminhando a passos velozes.
— Está tudo bem com você? Ele te machucou? – Ele se assentou ao meu lado e acariciou meu rosto, procurando alguma ferida.
— Eu estou bem. Pode me explicar a cena que eu acabei de ver?! Eu não entendi… nada do que se passou! – Eu estava esbaforida.
— Você cortou o dedo, Derick não é normal, você sabe, então ele voou pra cima de você pra tentar te matar. – Ele fitou o chão, a mandíbula trancafiada pela raiva.
— Isso eu sei! Mas… e você? E Ângela? O que foi aquilo?! – Eu murmurei apavorada.
Ele se calou, olhou algo no chão e ali cravou os olhos, sem olhar pra mim.
— Dominic, te fiz uma pergunta e quero que me responda! – Fui rígida, mas estava a ponto de chorar.
Ele olhou para mim, ainda calado. Seu olhar era de amargura.
— Desculpe-me! Não quis assustar você! Nunca tive essa intenção! – Ele estava ainda mais apavorado do que eu. — Você sabe que eu… eu gosto muito de você pra… querer te fazer mal! E não gosto quando você está em risco! Não posso deixar que nada te aconteça! Eu prometi! – Ele estava afoito.
— Eu te fiz outra pergunta! Você não está me respondendo! – Não contive minhas lágrimas.
Levantei-me e corri na direção onde eu achava ser a correta. Corri o mais rápido que pude, mas não pude escapar de Dominic.
— Emily! Por favor! Não vou te machucar! – Dominic segurou meu braço.
— Me solta! – Eu puxei meu braço das mãos dele. — Mentiu pra mim! Como posso confiar em alguém que me omite a verdade?! – Eu gritava e chorava ao mesmo tempo.
Ele não expressou mais nenhuma reação, talvez por que eu tivesse mesmo razão, talvez por achar que aquele argumento tinha sido bobo a ponto de ficar pasmo. Ficou parado no meio do breu, de cabeça baixa enquanto eu corria. Não consegui ir muito longe. Corri alguns metros, mas parei, olhei para trás; Dominic estava triste… ou melhor… desolado! Sacudi a cabeça e continuei correndo, nem sabia para onde, mas me sentiria, com certeza, mais segura longe dele.
Eu só ficava mais perdida, mais nervosa, mais tranquila, mais segura, me arriscava mais. Estar longe de Dominic, estar perto dele, não fazia diferença, era tudo igual! Estar longe, correndo o risco de ser pega pelos Sombrios, estar perto, correr o risco de ser pega por ele mesmo! Então vi que realmente não tinha opção que não fosse parar de fugir do nada. Sentei-me no asfalto levemente úmido pelo sereno da noite. Agarrei-me às minhas próprias pernas e escondi a face. Ângela me levara longe demais para que eu pudesse voltar. Levantei o olhar e tentei me encontrar, mas só via a luz alaranjada dos postes, asfalto e mais asfalto, floresta e mais floresta. Baixei a cabeça e pensei comigo mesma: “Deveria ter ficado com ele.”.
— Eu também acho. – Soou uma voz familiar.
— Por que insiste em me seguir? Por que devo confiar em você? – Eu nem precisava olhar para saber que Dominic estava me olhando com amargura nos olhos.
— Por que sou sua única chance. – Ele estendeu a mão para mim.
Peguei sua mão, fria e lisa, e me levantei. Ele deslizou a outra mão por minha cintura, mas me afastei. Só precisava dele para voltar para casa e ele sabia disso.
— Tudo bem. Quer ir pra casa, certo? – Ele disse, sua voz era baixa e continuava perfeita.
— Exatamente. Só quero ver meus pais, com quem realmente estou segura, se é que posso estar segura de alguma maneira. – Murmurei.
— Pode sim, e você sabe muito bem disso! – Ele murmurou também.
Olhei-o com certa ameaça mortal nos olhos, ele desviou o olhar. Num movimento rápido ele me pegou nos braços e já estávamos diante da minha casa. Ele me largou no chão.
— Acho bom você entrar. Não é seguro aqui fora. – Ele cruzou os braços e não olhou para mim quando falou.
— É… eu também acho. Não é seguro ficar aqui fora com você. – Acrescentei destacando as últimas palavras.
Ele acenou negativamente com a cabeça e sumiu. Entrei para dentro de casa, meus pais ainda não haviam chegado. Sentei-me no sofá e liguei a televisão. Estava passando um filme de suspense, mas já o tinha visto, então desliguei. Subi as escadas e me joguei na cama.
Eu estava entediada e não estaria se Dominic ou Ângela estivessem comigo, mas minha confiança neles já não era mais a mesma. Derick, não sei que fim levou, mas não foi bom, com certeza – não pelos gritos que ouvi – então eu estava mesmo sozinha.
Decidi ligar o rádio, a casa estava quieta demais, não gostava muito disso. Mas seria melhor que eu estivesse só ouvindo o silêncio. Esqueci o CD que ele havia me dado dentro do rádio. Aquela música me arrebentou os ouvidos! Não conseguia mais escutar aquilo. Era insuportável!
Parei a música, abri o rádio e peguei o CD.
— Não quero mais saber dessas coisas! – Quebrei o CD com as minhas próprias mãos.
Meu coração foi quebrado junto com o CD, mas era necessário. Qualquer coisa pra me livrar de uma ilusão.
Ouvi alguém por a chave na fechadura da porta.
— Mãe? – Gritei do meu quarto mesmo.
— Emily? – Ouvi resposta, mas ainda estava desconfiada.
Desci a escada até onde eu podia ver a porta da frente, na sala e vi que eram mesmo minha mãe e meu pai.
— Ah mãe! Que bom que chegou! – Desci o restante dos degraus correndo e abracei minha mãe.
— Emily… eu não estou bem… – Ela pôs a mão sobre o abdômen e se sentou no sofá.
— Lisa, acho melhor eu te levar ao médico. – Meu pai se assentou ao seu lado.
— Ai… Tenho certeza que aquelas ostras não estavam muito boas. – Ela resmungou.
— É… eu também acho. Eu não quis comer, você comeu e ficou assim. – Meu pai fez uma observação.
Minha mãe só gemia, resmungava, dizia “ai”. Meu pai a levou para cama e ficou com ela enquanto eu fazia um chá, para ver se ela ficava melhor. Peguei o que eu sabia que era bom – se é que eu sabia – e fervi com água.
Levei pra ela e entrei no meu quarto. Abri minha mochila e fui ver se havia alguma lição de casa, mas já estava tudo feito. Resolvi ler um livro. Li três páginas e meia, mas enjoei de ler. O tédio me tomou; nada de Dominic, nem Ângela e nem ninguém que me fizesse sorrir daquele jeito.
Por um momento me arrependi de ter quebrado o CD que ganhei de Dominic. Já estava sentindo falta daquelas músicas altamente viciantes.
— Ah! O tédio vai me matar! – Resmunguei.
Olhei no relógio; faltavam quinze minutos para as vinte e três horas. Um horário mais que considerável pra dormir, mas lembrei de uma coisa: era sexta-feira! O que eu faria no dia seguinte?! Dominic fazia parte do meu itinerário, Ângela também, o Transilvânia Hotel começava a me fazer falta, a música que rolava solta no salão do restaurante.
Sentei-me na cama e pensei em algum modo pra falar com eles outra vez, mas acho que eles não aceitariam falar comigo depois da pirraça que eu fiz. Bati pé pra que eles fossem embora e acabei por me arrepender!
Ouvi algo do lado de fora da casa, parecendo batidas e chutes na parede. Virei-me para a janela rapidamente. Me decepcionei ao ver que era só um galho que batia no vidro da janela, que estava aberta. Voltei a focalizar minha frente e quase caí da cama ao saltar para trás.
— Achei que precisava de mim. Desculpe-me. Se quiser, me retiro. – Dominic estava parado na minha frente… ou eu estava delirando!
— Não! Fica, por favor. Não pensei que não seria tão difícil. – Baixei a cabeça.
Ele se sentou rapidamente perto de mim, na cama, e segurou minha mão direita.
— Estive perto de você o tempo todo, focado em seus pensamentos, ouvindo meu nome quase em cem por cento deles e sentindo-me angustiado. – Ele me olhava no profundo dos olhos enquanto falava.
— Eu não mereço isso… Você não merece! Eu te deixei mal! Fiz uma birra por nada! Me desculpe! – Eu o abracei.
— Emily, por favor! A culpa não é sua. Fique tranquila. Se alguém tem culpa nisso tudo… esse alguém… – Eu encostei meu indicador sobre seus lábios gelados.
— …sou eu. Se alguém tem culpa nisso, sou eu. – Eu completei.
Ele corou de leve e sorriu. Eu sorri também. Ele beijou a ponta do meu dedo. Eu enrubesci.
— Então… Estou perdoado? – Ele lançou-me um olhar piedoso.
— Eu é que tenho que pedir desculpas, Dominic. Agi como criança. – Pus uma mecha de cabelo atrás da orelha.
Um silêncio predominou entre nós dois; ele não precisava dizer nada para que eu me acalmasse. Só o fato de rever aqueles olhos lindos já me deixava muito segura.
— Então… você é mesmo um… – A palavra “vampiro” não saiu, ficou trancada na garganta.
— Sim… mas não se preocupe. Não vou machucar você. Não sou como… aqueles outros que… você conhece, sabe? – Ele ficou meio sem jeito ao responder.
— Claro que sei. Se não soubesse, pode acreditar que eu estava ficando maluca. – Eu ri.
Ele sorriu de leve, o que me fez parar de rir.
— Disse que pode ouvir meus pensamentos, certo? – Eu queria saber mais.
— Sim, eu posso. – Ele respondeu sério.
— E o que mais você sabe fazer?
— Bem… herdei a leitura mental do meu pai, o que chamamos de auspícios. Ahm… Tenho o que se pode chamar de… presença, que é algo como… uma persuasão. Posso controlar reações humanas com um olhar. Temos também uma habilidade básica, que é a rapidez. Quase todos têm. – Ele explicou.
— Nossa. Não é a toa que eu fico boba perto de você. – Corei.
Ele riu.
— Mas me diga outra coisa. – Continuei. — O Super-Homem tem seu ponto fraco, que é a Criptonita. Você tem o seu? – Aproximei-me dele e murmurei.
Ele ficou quieto, me encarando, como se fosse muito lógico.
— O que foi? – Desviei os olhos e voltei a olhar pra ele rapidamente.
— Você sabe qual é meu ponto fraco. – Ele me fitou, seus olhos ardiam.
— Eu sei? – Afastei-me dele.
Ele assentiu com a cabeça, ainda me olhando. Vasculhei minha memória atrás de algo que ele tivesse dito, mas não lembrei de nada.
— Ok. Já vi que você não lembra. – Ele riu. — Meu ponto fraco é o mais lindo ponto fraco que eu já vi em toda minha vida. – Ele baixou a cabeça.
— Mais lindo ponto fraco? – Inclinei a cabeça como criança.
— Meu ponto fraco tem nome e sobrenome, a mãe do meu ponto fraco me odeia, meu ponto fraco tem a voz mais linda desse planeta. – Ele me olhava e acariciava meu rosto enquanto falava; só depois me toquei que seu ponto fraco era eu!
Eu corei e baixei a cabeça.
— Como pode dizer tanta besteira sobre mim…? – Eu ri.
— Não é besteira, Emily. Você é mesmo linda! A moça mais linda que eu já vi nos meus cento e seis anos de vida. – Ele escondia um sorriso doce nos cantos dos lábios carnudos e perfeitos.
— Cento… e cinco? – Fiquei incrédula.
— Cento e cinco. Ah! Já peço perdão por mentir minha idade pra você, mas acho que… se eu dissesse minha verdadeira idade você ficaria… brava ou acharia que eu… sou doido. – Ele sorriu.
— Tenho que concordar. Essa mentira foi necessária. – Eu ri de leve. — E Ângela e o resto da família? Quais são os superpoderes deles? – Eu me interessei.
— Na verdade não são “superpoderes”. Chamamos de habilidades ou disciplinas. Rose Mary tem – Ele hesitou, parecendo nervoso. — quimerismo, que é a habilidade de criar ilusões, e metamorfose, transformação em qualquer… coisa ou animal. Andrews tem os auspícios, capacidade anormal de adquirir conhecimentos, e fortitude, uma força sobrenatural. E Ângela tem rapidez e potência, o que se pode chamar de velocidade e força combinado juntos, fora a agilidade. – Ele explicou.
— Nossa! Legal. – Eu me empolguei. — Uma coisa que eu já notei foi que… Nancy também tem uma habilidade, não é? – Eu fiquei temerosa.
— Ela tem um tipo de… “potência vocálica”. Se Ângela treinar bastante ela pode gritar tão alto quanto Nancy. Ella tem a habilidade de mutação vocal, o que faz parte da metamorfose. Derick… deve ter velocidade e… um pouco de… presença. – Ele bufou.
— E o outro? – Perguntei curiosa.
— Acho que ele é o único de nossa espécie que possui mais que três habilidades juntas. Ele possui quimerismo, presença, fortitude, potência e rapidez. É o mais poderoso deles. – Ele cerrou os punhos.
— E o mais burro também! – Sorri.
— Isso sim… Auspício seria muito útil para ele. – Ele riu de leve.
Comecei a esfregar os olhos e bocejar.
— Está cansada. Vou te deixar dormir. – Ele acariciou meu cabelo e beijou minha testa.
— Não! Fica! – Agarrei a mão dele.
— Emily, você tem que dormir. – Ele ficou sério.
— Estou com medo de… ficar sozinha. – Baixei a cabeça e murmurei.
Ele riu e sacudiu a cabeça negativamente.
— Sei… – Ele riu novamente.
— Ok! Não consigo mentir pra você! – Revirei os olhos. — Então tá. Adivinhe no que estou pensando agora. – Eu fechei os olhos.
Mentalizei a seguinte frase: “Fica comigo aqui. Preciso de você, de verdade. Pensei que fosse mais fácil viver longe de você, mas não é”.
Ele mordeu o lábio inferior e me fitou nos olhos.
— Por favor? – Sorri meio sem jeito.
— Posso ler além do que você mentaliza, sabia? – Ele riu baixo.
Engoli seco, corei e baixei a cabeça.
— Tudo bem, eu vou ficar com você. Só pelos seus pensamentos secundários. – Ele riu alto.
— Ai que vergonha! – Cobri o rosto com os cobertores.
Dominic segurou minhas mãos unidas aos cobertores e as tirou de perto do meu rosto. Encarava-me fixamente nos olhos. Ele sabia da minha vontade naquele momento, mas também preferia controlá-la.
— Você é linda demais para se esconder. – Ele aproximou o rosto de mim e beijou meu queixo.
Arrepiei-me toda e enrubesci. Senti meu rosto mais quente. Minha respiração acelerou e meu pulsar ficou mais forte.
Ele se afastou rapidamente de mim.
— Me desculpe. – Ele fincou os olhos no chão. — Acho que estou abusando dos meus limites. – Ele parecia refletir para si mesmo.
— Você não tem por que se desculpar! Já falei isso! – Eu me deitei na cama e ajeitei as cobertas sobre mim.
Dominic me ajudou a ajeitar minha cama, como minha mãe fazia comigo quando eu era mais nova. Me senti muito segura, mesmo que estivesse com uma espécie diferente ao meu lado.
— Eu vou ficar aqui com você, mas me prometa que vai dormir, tudo bem? – Ele sorriu.
— Ok, eu prometo. – Virei de lado e meu olho simplesmente se fechou sozinho.

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